Engenhos de Pernambuco correm o risco de desaparecer

A série sobre os engenhos de cana-de-açúcar, iniciada em 25 de janeiro deste ano e publicada aos sábados, termina hoje com o levantamento das casas-grandes, capelas, senzalas e fábricas realizado pelo Iphan, no Grande Recife e na Zona da Mata
Cleide Alves
Publicado em 12/04/2014 às 16:36
Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem


Ninguém sabe, ao certo, o número de engenhos de cana-de-açúcar existentes em Pernambuco. O levantamento mais recente, feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), contabiliza 550 unidades nos municípios da área de influência de Suape – Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca, Moreno e Escada – e mais 120 em 37 outros municípios.

Mas, os engenhos mapeados não encontram-se, necessariamente, de pé. Dos 550 na área de Suape, 40% estavam reduzidos a vestígios arqueológicos, afirma a arquiteta Vitória Andrade, da empresa Cardus Estratégias Projetuais, que participou do levantamento.

Segundo ela, quatro anos atrás, quando o trabalho terminou, 15% dos 550 engenhos estavam completos e guardavam características que justificavam a preservação. “Registramos 15% com estado médio de degradação, 15% em estágio avançado e 15% em ruínas.”

Inventário de Varredura do Patrimônio Material do Ciclo da Cana-de-Açúcar (Caminhos do Açúcar) faz um diagnóstico completo dos engenhos, com pesquisa histórica e iconográfica, mapa de localização, situação fundiária, fotos e descrição física de cada um de

A situação, agora, se modificou, observa a arquiteta. Basta dizer que, no decorrer da pesquisa, o Engenho Morojó, em Nazaré da Mata, que estava inteiro, foi saqueado e destruído. E o Engenho São Bartolomeu, em Jaboatão, sucumbiu para dar lugar a um galpão.

“Nenhum dos dois tinha proteção”, informa o engenheiro Frederico Almeida, superintendente do Iphan em Pernambuco. Recentemente, diz ele, a Polícia Federal recuperou, em Minas Gerais e São Paulo, o altar de madeira e talhas do Engenho Morojó.

Realizado no período de 2005 a 2010, o Inventário de Varredura do Patrimônio Material do Ciclo da Cana-de-Açúcar (Caminhos do Açúcar) faz um diagnóstico completo dos engenhos, com pesquisa histórica e iconográfica, mapa de localização, situação fundiária, fotos e descrição física de cada um deles.

Hélia Scheppa/JC Imagem
Capela interna do Engenho Pintos, em Moreno, parcialmente destruída e sem as imagens dos santos - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Paisagem do Engenho Pintos. A antiga casa do administrador, contemplada da varanda da casa-grande - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
A Casa-grande do Engenho Santa Cruz, em João Alfredo, no Agreste, é um solar típico do século 19 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
A Casa-grande do Engenho Santa Cruz, em João Alfredo, no Agreste, é um solar típico do século 19 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Localizado em Limoeiro, no Agreste, o Engenho Passassunga é uma construção do século 18 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
A igreja do Engenho Passassunga, construída no século 19, tem ao lado um antigo cemitério - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Engenho Poço Comprido, em Vicência, é único com tombamento federal em Pernambuco - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
O casarão do Engenho Poço Comprido é uma construção do século 18. Está restaurado, mas vazio - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Telhado da moita do Engenho Poço Comprido é considerado um dos mais bonitos de Pernambuco - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Coluna da antiga fábrica do Engenho Tabatinga, em Vicência, destruído e saqueado - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Casarão do Engenho Tabatinga. Da construção do século 19, sobraram restos de parede - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Portão de entrada do Engenho Uruaé, em Condado, que funciona como ponto de visitação turística - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Fachada da casa-grande do Engenho Uruaé. A construção é do século 18, mas foi reformada - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Quarto do casal da casa-grande do Engenho Uruaé, decorada com móveis do século 19 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Tronco e antiga senzala do Engenho Uruaé, que deixou de moer cana em 1937 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
A Igreja de Santo Antônio é a única edificação ainda de pé do Engenho Pindobal, em Paudalho - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
A Igreja do Engenho Caraúbas, em Paudalho, fica escondida no meio do canavial. A casa-grande desabou - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Sala de visitas do Engenho Massangana, no Cabo de Santo Agostinho, que virou museu - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Capela de São Mateus, do Engenho Massangana, onde o abolicionista Joaquim Nabuco foi batizado - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Moenda do século 19, em exposição no Engenho Massangana, foi usada no filme Abril Despedaçado - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Igreja de São José, do Engenho Gaipió, em Ipojuca, que está em processo de tombamento - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Casarão do Engenho Gaipió, em bom estado de conservação, está em processo de tombamento - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Casa-grande do Engenho Sapucaji, em Escada, é um bangalô do século 19 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Arandela na fachada do Engenho Sapucaji, construído em 1862 - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Construído em 1900, o chalé do Engenho Jundiá (Vicência), integra o roteiro turístico da Mata Norte - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
O Engenho Jundiá recebe grupos de visitantes. Fica no Vale do Sirigi, na Serra dos Mascarenhas - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Compotas, doces e cocadas feitas na casa-grande do Engenho Jundiá são vendidas aos visitantes - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
O Engenho São João, em Itamaracá, remonta ao século 17. Casarão, mais novo, está caindo aos pedaços - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Tombado pelo Estado, o Engenho São João é de propriedade do governo de Pernambuco - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
Ruínas da antiga fábrica do Engenho Amparo, na Ilha de Itamaracá. O engenho tem tombamento estadual - Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
A Igreja do Engenho Amparo foi construída no século 18 e tem condições de ser restaurada - Hélia Scheppa/JC Imagem

A ideia inicial seria listar todos os exemplares, dos séculos 16 ao 19, para saber quantos chegaram aos dias atuais. “Como seria caro e demorado, resolvemos centrar nos cinco municípios mais impactados por Suape e reavaliar os 120 engenhos inventariados pelo PPSHI (Programa de Preservação dos Sítios Históricos do Interior/1982)”, declara Frederico Almeida.

Caminhos do Açúcar resultou em 10 volumes, disponíveis na biblioteca do Iphan (Rua Oliveira Lima, 824, Soledade, Centro do Recife), e embasará a ampliação do número de unidades com tombamento federal. Só o Engenho Poço Comprido, em Vicência, é reconhecido como patrimônio nacional. “Deveremos selecionar outros exemplares para tombamento”, diz ele.

Poço Comprido foi tombado em 1962 e só agora, 52 anos depois, Pernambuco pode ter o segundo engenho protegido pela União. O processo de tombamento do Engenho Gaipió, em Ipojuca, município do Grande Recife, está tramitando no Iphan, mas não é resultado desse levantamento. “O assunto já vinha sendo tratado antes”, esclarece Frederico Almeida.

Diferente de outros Estados, a produção industrial de Pernambuco não se deu no Recife, mas no campo. Tudo isso merece um estudo

Vitória Andrade, arquiteta

“Com o aumento do número de engenhos tombados, vamos tentar suprir uma lacuna no patrimônio de Pernambuco, Estado que nasceu e viu sua economia se desenvolver pela cana-de-açúcar”, diz o engenheiro. A pesquisa localizou os 120 engenhos listados no PPSHI (de resquícios arqueológicos a conjuntos completos), agora georreferenciados.

Perda

Na avaliação de Vitória Andrade, tão importante quanto o patrimônio edificado é a rede territorial criada em função dessas ocupações. “Havia uma infraestrutura de mobilidade que está se perdendo, são estradas que faziam a ligação de uma sede a outra e permitiam uma vida social entre os engenhos.”

Em algumas localidades, diz ela, uma igreja servia a dez engenhos. “A pessoa se deslocava de uma sede para assistir à missa ou participar de uma festa em outra”, conta. Além disso, continua, não se pode ignorar as relações dos engenhos com as cidades próximas e com o Recife. “Diferente de outros Estados, a produção industrial de Pernambuco não se deu no Recife, mas no campo. Tudo isso merece um estudo”, sugere.

TAGS
iphan engenho sapucaji engenho passassunga engenho gaipió engenhos de pernambuco
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory