Ninguém sabe, ao certo, o número de engenhos de cana-de-açúcar existentes em Pernambuco. O levantamento mais recente, feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), contabiliza 550 unidades nos municípios da área de influência de Suape – Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca, Moreno e Escada – e mais 120 em 37 outros municípios.
Mas, os engenhos mapeados não encontram-se, necessariamente, de pé. Dos 550 na área de Suape, 40% estavam reduzidos a vestígios arqueológicos, afirma a arquiteta Vitória Andrade, da empresa Cardus Estratégias Projetuais, que participou do levantamento.
Segundo ela, quatro anos atrás, quando o trabalho terminou, 15% dos 550 engenhos estavam completos e guardavam características que justificavam a preservação. “Registramos 15% com estado médio de degradação, 15% em estágio avançado e 15% em ruínas.”
A situação, agora, se modificou, observa a arquiteta. Basta dizer que, no decorrer da pesquisa, o Engenho Morojó, em Nazaré da Mata, que estava inteiro, foi saqueado e destruído. E o Engenho São Bartolomeu, em Jaboatão, sucumbiu para dar lugar a um galpão.
“Nenhum dos dois tinha proteção”, informa o engenheiro Frederico Almeida, superintendente do Iphan em Pernambuco. Recentemente, diz ele, a Polícia Federal recuperou, em Minas Gerais e São Paulo, o altar de madeira e talhas do Engenho Morojó.
Realizado no período de 2005 a 2010, o Inventário de Varredura do Patrimônio Material do Ciclo da Cana-de-Açúcar (Caminhos do Açúcar) faz um diagnóstico completo dos engenhos, com pesquisa histórica e iconográfica, mapa de localização, situação fundiária, fotos e descrição física de cada um deles.
A ideia inicial seria listar todos os exemplares, dos séculos 16 ao 19, para saber quantos chegaram aos dias atuais. “Como seria caro e demorado, resolvemos centrar nos cinco municípios mais impactados por Suape e reavaliar os 120 engenhos inventariados pelo PPSHI (Programa de Preservação dos Sítios Históricos do Interior/1982)”, declara Frederico Almeida.
Caminhos do Açúcar resultou em 10 volumes, disponíveis na biblioteca do Iphan (Rua Oliveira Lima, 824, Soledade, Centro do Recife), e embasará a ampliação do número de unidades com tombamento federal. Só o Engenho Poço Comprido, em Vicência, é reconhecido como patrimônio nacional. “Deveremos selecionar outros exemplares para tombamento”, diz ele.
Poço Comprido foi tombado em 1962 e só agora, 52 anos depois, Pernambuco pode ter o segundo engenho protegido pela União. O processo de tombamento do Engenho Gaipió, em Ipojuca, município do Grande Recife, está tramitando no Iphan, mas não é resultado desse levantamento. “O assunto já vinha sendo tratado antes”, esclarece Frederico Almeida.
Diferente de outros Estados, a produção industrial de Pernambuco não se deu no Recife, mas no campo. Tudo isso merece um estudo
Vitória Andrade, arquiteta
“Com o aumento do número de engenhos tombados, vamos tentar suprir uma lacuna no patrimônio de Pernambuco, Estado que nasceu e viu sua economia se desenvolver pela cana-de-açúcar”, diz o engenheiro. A pesquisa localizou os 120 engenhos listados no PPSHI (de resquícios arqueológicos a conjuntos completos), agora georreferenciados.
Na avaliação de Vitória Andrade, tão importante quanto o patrimônio edificado é a rede territorial criada em função dessas ocupações. “Havia uma infraestrutura de mobilidade que está se perdendo, são estradas que faziam a ligação de uma sede a outra e permitiam uma vida social entre os engenhos.”
Em algumas localidades, diz ela, uma igreja servia a dez engenhos. “A pessoa se deslocava de uma sede para assistir à missa ou participar de uma festa em outra”, conta. Além disso, continua, não se pode ignorar as relações dos engenhos com as cidades próximas e com o Recife. “Diferente de outros Estados, a produção industrial de Pernambuco não se deu no Recife, mas no campo. Tudo isso merece um estudo”, sugere.