Telhado em duas águas (aquele que forma um V ao contrário), lambrequins no beiral, jardins ao redor da casa, um terracinho na frente (às vezes, na lateral) e um muro bonito. Dessa receita, simples assim, surgiram os chalés do Recife, edificações de arquitetura eclética que, aqui e acolá, pintam a paisagem da cidade com um quê de romantismo.
Construção popular na cidade no anos 10 do século 20, os chalés guardam semelhanças com as casas de fazenda. “São muito parecidos com as moradias rurais, soltos no terreno com jardim, quintal e oitão. A arquitetura é bem despojada”, diz a arquiteta Guilah Naslavsky, professora da Universidade Federal de Pernambuco.
O ar poético das edificações, segundo ela, não é à toa. Os chalés apareceram na Inglaterra e França, no século 19, como um manifesto contrário aos estilos clássicos e à industrialização. “Nesse movimento anti-industrialização as pessoas começaram a buscar o pitoresco, o exótico, um ideal mais romântico de vida”, explica a professora.
“No Recife, os chalés ajudaram no processo de urbanização. A cidade era mais arborizada e mais humanizada. Antes de servir como estacionamento para carros, a lateral do terreno era cheia de plantas. Havia mais qualidade de vida”, acrescenta o arquiteto José Luiz Mota Menezes, presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.
Ele e Guilah chamam a atenção para mais um aspecto: a higiene da moradia. “A arquitetura do chalé é mais saudável”, afirma Guilah. “Com abertura por todos os lados, o vento circulava internamente na casa”, destaca José Luiz. “O porão passou a ser mais elevado, por causa da umidade da cidade, tudo isso deixava a casa mais higiênica”, garante a professora.
Cobertos com telhas francesas, os chalés tinham piso de ladrilho hidráulico e alguns usavam uma barra de azulejo Matarazzo para decorar o terraço. “O azulejo vinha de São Paulo, mas havia fábrica de ladrilho no Recife”, diz José Luiz. Numa época em que não existia a figura do arquiteto, os chalés eram erguidos por mestres de obra.
“Eram homens muito bem preparados, com conhecimento similar ao de engenheiros. Eles pegavam os desenhos dos chalés em publicações de São Paulo que circulavam no Recife, como A Casa, mas faziam variações”, informa o arquiteto, estudioso da evolução urbana da cidade.
Moradia típica da classe média, os chalés nunca foram deixados à margem, observa José Luiz. “Nos anos 50 e 60, antes de me formar em arquitetura, eu desenhava esses modelos de casa para mestres de obra”, conta. “A partir da década de 60 os chalés sucumbem ao gosto pelo moderno. É quando nascem as vilas operárias feitas em série pelo BNH e Cohab e a população perde o direito de escolher as suas casas.”
Antes de serem comprados e derrubados estavam espalhados em toda parte: Ilha do Leite, Espinheiro, Graças, Caxangá, Várzea, Boa Vista, Campo Grande, Tejipió e Casa Amarela, entre outros bairros. “No Rio de Janeiro, eram muito comuns”, complementa Guilah.
Doze chalés românticos do Recife contam com proteção contra demolição ou descaracterização. Eles integram a lista inicial de 154 Imóveis Especiais de Preservação (IEP) criados pela prefeitura em 1997.
A diretora de Preservação do Patrimônio Cultural do Recife, Lorena Veloso, cita como exemplo a casa de número 92 da Rua das Pernambucanas (Graças). A edificação perdeu o uso residencial, está sendo restaurada e vai funcionar como restaurante.
A mesma proteção isolada deverá ser concedida pela prefeitura ao chalé da Praça Pinto Dâmaso, na Várzea, onde funcionou o Hospital Magitot, de odontologia, diz Lorena. “É o único representante de casarão no estilo chalé romântico com dois pavimentos, na capital”, ressalta.