Sem açúcar não se compreende o homem do Nordeste, escreveu o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), 77 anos atrás. Pois é seguindo esse fio condutor que o Museu da Cidade do Recife apresenta sua mais nova exposição, Doc(e) Recife, que será aberta ao público às 16h deste sábado (19), no Forte das Cinco Pontas, localizado no bairro de São José, no Centro da cidade.
A mostra ficará em cartaz até o início de março de 2017, contando a moradores e turistas a evolução do Recife à luz da cana-de-açúcar e à sombra da escravidão. Mapas antigos e atuais, textos, projeções, fotos, filmes, sino de igreja, pinhas decorativas, pedras de azulejos, enfim, uma série de objetos estarão organizados em salas do térreo e do primeiro pavimento para resgatar essa história.
“Reunimos documentos do nosso acervo”, diz a diretora do museu e curadora da exposição, Betânia Corrêa de Araújo. Daí a brincadeira com o título da mostra. A letra “e” da palavra Doce aparece em destaque, possibilitando duas leituras: o adjetivo para descrever a cidade e a abreviatura para os documentos que deram origem a essa narrativa.
Preste bem atenção nos 22 degraus da escada que levam ao primeiro andar. Cada um está decorado com o nome de um doce citado por Gilberto Freyre no livro Açúcar (1939). Sequilho, alfenim, suspiro, nego-bom, pé-de-moleque, rapadura, manuê, bolo-de-bacia, arroz-doce e por aí vai. É uma escada com açúcar e com afeto.
A mostra faz um resumo do crescimento e da urbanização da cidade, do século 16 – quando Pernambuco era um grande produtor de açúcar – até o 21.
O mapa mais antigo, de João Teixeira Albernaz, reproduz o Recife de 1616. As plantas mais novas, produzidas pela prefeitura, apresentam a metrópole de hoje, condensando 400 anos de história. Num mapa de 1876 estão assinalados quase todos os engenhos que produziam cana-de-açúcar no século 19. “A maioria deles deu origem a bairros, como Dois Irmãos e Madalena”, observa a curadora.
Na exposição, o museu exibe pela primeira vez uma pintura da Igreja dos Martírios, construída em 1782 por pardos e negros, e demolida em 1975 para a abertura da Avenida Dantas Barreto, no bairro de São José.
A relíquia, com a imagem do Senhor Bom Jesus dos Martírios, chegou ao museu em 1982, no ano de inauguração do espaço cultural, toda dobrada.
“Pouco sabemos sobre a pintura, que ficava na nave principal. Mas as marcas das dobras na tela são significativas desse episódio. A igreja era tombada e foi destombada para ser derrubada”, destaca Betânia Corrêa.
O Porto, de onde o açúcar seguia viagem para outros países, ganha destaque em texto e foto, com as transformações que provocou na cidade. “A civilização do açúcar está entranhada na atualidade, faz parte do nosso cotidiano, seja nos doces que herdamos de Portugal, seja nessa sociedade desigual, nesse trabalho escravo que, de alguma forma, permanece marcado na sociedade”, declara.