Ele diz se chamar Antônio de Pádua Bernardo de Lima, paraibano de Areia e morador de Pernambuco há 44 anos. Nas últimas semanas, está acampado em uma das calçadas da Via Mangue, no Pina, bairro da Zona Sul do Recife, onde espalhou uma máquina de lavar roupas quebrada, uma mala cheia de livros, panelas e uma escada. Dois carrinhos de supermercado com cobertor, roupa e sapato ficam estacionados na pista.
“Não ocupei a calçada, porque ela não é minha. Estou só vendendo minha mercadoria”, reage Antônio de Pádua, 63 anos, que prefere se identificar como Albani e sobrevive vendendo material reciclável – alumínio, cobre e jornal velho que recolhe no bairro de Afogados, na Zona Oeste da cidade. O ambulante instalou-se na descida de um dos viadutos da Via Mangue, nas imediações da Rua Tenente João Cícero.
Por volta das 10h de segunda-feira (11), quando repórteres do JC chegaram ao local, ele estava tirando um cochilo deitado de bruços na calçada. Com uma verve irônica e uma imaginação que vai longe, Antônio de Pádua se apresenta como empresário que vende latinhas de alumínio e cobre a outros empresários. “A sede do meu trabalho é em Campina Grande”, diz.
Logo acrescenta que é cadete do Exército de Campina Grande (PB) e está na rua servindo à nação, que é engenheiro da construção civil e trabalha por conta própria. Ao ser indagado onde estudou, responde: “Na minha época, o nome era ginásio. Fiz até a 3ª série ginasial em Areia. Depois me formei particular em medicina, engenharia não consegui terminar porque não tive chance.”
Equilibrado na linha que divide a realidade da imaginação, afirma que é solteiro e sem filhos. “Sou único e solitário, outro aqui não consegui para duplicata. Já tive namorada, mas a única mulher que me viu nu foi a minha mãe. Nunca tive esposa”, detalha. “Antônio de Pádua não existe mais. Recomeçarei a vida como Albani, empresário, vou mudar de aparência, vocês vão ver.”
Enquanto esse dia não chega, ele arrisca a vida na calçada. E também cria uma situação de risco para motoristas que circulam no local. Antônio toma banho ao ar livre, escondido atrás de um lençol. Faz a comida num fogão improvisado. “Eu mesmo preparo a quarenta, misturando vitamilho com água e sal, boto para ferver e vou mexendo.” Frutas e verduras embolam pelo chão.
O material reciclável que ele vende fica amontoado no trecho entre o viaduto e o gradil de proteção da Via Mangue. Ao ser questionado se motoristas reclamam ou se a prefeitura pediu para ele liberar a calçada, não pensou duas vezes: “Mando tudo para o inferno, não ligo para a prefeitura e não ligo para o povo”, sustenta o ambulante.
Depois de uns minutos de conversa, ele se levanta e entra na casa sem paredes e sem teto. Abre a mala e mostra publicações que coleciona, como Vade Mecum, livros didáticos do ensino médio, um caderno de ortografia, o relatório anual de um banco. E posa para fotos em sua moradia imaginária segurando um exemplar de Warsaw – A magical city (Varsóvia – Uma cidade mágica).
“Gosto de ler as notícias, de revistas que falam de empresários, de saber como vai o governo de Pernambuco. Sou Dilma nato! Ela teve algumas falhas, mas isso acontece”, comenta. Acrescentando que na rua nunca dorme, apenas tira cochilos. “Fico vigilante.”
A Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Recife desconhecia a presença do morador na Via Mangue e disse que vai reforçar a atuação do Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (Seas) no local. A função do Seas é sensibilizar as pessoas para a saída consensual das áreas públicas. Quando elas aceitam, são encaminhadas para acolhimento, retirada de documentos, acesso à rede de saúde, inclusão no aluguel social e em programas sociais. Também faz o resgate de laços familiares interrompidos.