O arquivo da Arquidiocese de Olinda e Recife tem, por enquanto, mais de 350 metros lineares de documentos. Desde o século 17 – quando a Coroa portuguesa autorizou a Igreja Católica a criar núcleos religiosos no Brasil colonial – até os dias atuais. Nas estantes do arquivo eclesiástico repousam histórias de povoados e de seus habitantes, que precisavam da permissão dos padres para tudo na vida.
“São documentos importantes para o conhecimento da nossa história porque traçam o perfil da nação brasileira. Alguns deles, do século 18, ainda estavam em prédios de igrejas e nunca foram consultados por nenhum historiador, é um material inédito em leitura”, destaca a restauradora Débora Mendes, contratada pela arquidiocese para fazer a organização do acervo eclesiástico.
A Igreja Católica administrava a vida dos cidadãos desde o nascimento até a morte, com emissão de certidões de batismo, casamento, divórcios perpétuos e justificativa de solteiro, autorização para casamento de pessoas viúvas e para o ingresso no seminário. Também avaliava os pedidos de viagens de brasileiros para além-mar e dos estrangeiros para entrar na colônia, diz Debora.
“Ela dividia esse poder com a Coroa portuguesa, funcionava como o nosso cartório civil na época”, afirma Débora Mendes. O arquivo preserva relatos de violência contra mulheres, de doenças que matavam a população e da higiene nas localidades. “A importância da Igreja era tanta que as vilas se desenvolviam em volta de um monumento religioso, construído em cima de uma colina e fortificado por muros altos.”
A localização dos templos era estratégica, para garantir a vista do horizonte e para os religiosos vigiarem possíveis invasões de inimigos, observa Débora. “Moradias e comércio surgiam nessa região protegida pela Igreja Católica e pela Coroa portuguesa. Documentos que determinam essa movimentação encontram-se nesse arquivo, são preciosidades para conhecimento do Brasil colônia.”
Em meio às 559 mil páginas já organizadas, higienizadas e acondicionadas da forma correta em estantes, há material produzido em papel artesanal, encadernação especial (livro de tombo da Irmandade das Almas, 1887-1888, com encadernação francesa encomendada pela Igreja do Manguinho), a Bula Papal em pergaminho (papel feito de couro de animal) de 1918 com a nomeação da Arquidiocese de Olinda e Recife assinada pelo papa Pio XI e o sinete que atesta a originalidade da carta pontifícia.
No processo de solicitação para entrar no seminário (1910), de um postulante a padre, a carta de referência de um religioso, escrita em latim num pergaminho bordado com fios de algodão e fios dourados, ganha ares de relíquia no acervo histórico. Da Igreja da Madre de Deus foi resgatado o livro de óbitos de filhos de mulheres escravas, de 1872.
“É o primeiro livro após a promulgação da Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) a registrar a morte de crianças nascidas livres e que, por essa condição, poderiam ser enterradas nos cemitérios”, diz Débora. Meninos e meninas, de até 7 anos, morriam de convulsão, tétano, inanição, verminose, diarreia e hepatite entre outras doenças. A Igreja Católica fez todo esse registro, comenta Débora Mendes.
Durante a primeira etapa do Projeto de Preservação da Memória do Arquivo da Arquidiocese de Olinda e Recife, realizada de maio a novembro de 2016 com coleções de 1722 a 2000, também foi localizado o livro de despesas da Irmandade do Bom Jesus das Chagas, da Igreja de São Gonçalo do Recife, do período de 1722 a 1804. É o documento mais antigo da coleção já organizada.
O arquivo da Igreja Católica contém selos postais, fotografias e jornais. Materiais recolhidos ano passado de igrejas de Olinda e do Recife ainda serão inventariados, informa Acácia Coutinho, administradora do Arquivo Dom José Lamartine. “A arquidiocese financiou a primeira etapa do projeto, vamos correr atrás de patrocinadores para continuar o trabalho e abrir o acervo à pesquisa”, acrescenta Acácia.
Hoje, o pesquisador informa o assunto que está à procura e funcionários do arquivo fazem a busca. O arquivo dispõe de uma máquina para leitura de microfilmes, doada por integrantes da Igreja dos Mórmons que consultaram o livro de tombo de casamentos e batizados para fazer árvore genealógica. Eles também doaram os rolos dos microfilmes do tema pesquisado. A Diocese de Olinda, que antecede a arquidiocese, foi criada em 1676.
O acervo encontra-se guardado no prédio da antiga Cúria Metropolitana, no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife