Na Zona da Mata Sul de Pernambuco, a tristeza tem cheiro. É a mistura de lama, vegetação ribeirinha, animais mortos, comida, lixo e escombros. Um odor que a população dos municípios de Belém de Maria, Catende, Ribeirão e Palmares, tinha sentido pela última vez em junho de 2010, quando um temporal arrasou boa parte da região.
Na manhã de ontem, os moradores das quatro cidades acordaram de mais um pesadelo em forma de água. As fortes chuvas do último final de semana fizeram com que o governo decretasse estado de calamidade em 14 municípios do Estado, dado o volume de estragos. E a Mata Sul, mais uma vez, foi a mais atingida, principalmente os municípios que ficam nos cursos dos rios Una e Amaraji.
Talvez nenhuma cidade personifique tanto a destruição causada pelo temporal como a pequena Belém de Maria, de 12 mil habitantes. Cortado ao meio pelo Rio Una, o município foi praticamente varrido pela força das águas. Casas, pontes, postes, um pedaço da PE-120 (principal via de acesso), muita coisa veio abaixo.
Nas ruas, o cenário remetia a um filme de guerra: gente atônita andando sem direção, pilhas de entulhos e um mar de lama democraticamente distribuído pela cidade. O estado de espírito da população foi cirurgicamente definido pela funcionária pública Sandra Pereira, moradora do Centro de Belém de Maria: “A gente não sabe nem por onde começar”, disse, contemplando, na calçada os móveis sujos de barro que conseguiu tirar de casa enquanto o nível das águas subia. “Entre eu perceber a água na calçada e ela chegar a mais de um metro dentro da minha casa, foi coisa de uma hora”.
Chegar e sair de Belém de Maria não foi problema durante o dia de ontem, pois a PE-120 registrou apenas pequenos deslizamentos de barreiras. Mas a população está ilhada de outras formas. Até o início da tarde de ontem, a cidade estava sem energia e água potável. Para “tirar o grosso” da lama em roupas, móveis e outros utensílios, os moradores apelaram para a água barrenta de um canal que passa pelo Centro.
Não há atendimento médico no município. A Unidade Mista Nossa Senhora de Lurdes, único centro hospitalar que realiza procedimentos de baixa e média complexidade, foi inutilizada pelo temporal. As águas atingiram um metro e meio dentro do hospital, destruindo equipamentos, medicamentos, leitos e prontuários. “Eu passei o dia de ontem chorando. Hoje (ontem), a gente está respirando fundo para ver por onde vai começar essa reconstrução”, lamenta a diretora da unidade, Mariluce de Melo, conhecida na cidade como Lucinha.
Em visita à cidade, na manhã de ontem, o governador Paulo Câmara afirmou que o hospital terá de ser reconstruído em outro local. “Nossa luta imediata é para restabelecer o básico para a população desses municípios, como o fornecimento de energia e de água. Paralelamente, estamos tocando as obras de barragens que vão ajudar a evitar tragédias como essa”, disse.
Em Catende, também na Mata Sul, as chuvas deixaram pouco mais de três mil pessoas desabrigadas e desalojadas. O bairro do Matadouro, que fica às margens do Rio Una, foi um dos mais atingidos. Na Rua Manoel Cassimiro, a água subiu de tal forma que deixou vegetação ribeirinha grudada às antenas parabólicas que ficam em cima das casas. Sem ter para onde ir, algumas famílias levaram os poucos pertences salvos a lugares como a marquise de um motel, para se protegerem de uma eventual nova chuva. “Não deu tempo de fazer muita coisa. Quando a gente percebeu, o rio já estava vindo com muita força. Não dava para tirar quase nada de casa. Eu mesma fiquei com a roupa do corpo”, lamentava a dona de casa Tatiana Pereira.