Eles são minoria dentro das igrejas. Dificilmente ocupam nichos no altar principal. E com raras exceções são cultuados em dias festivos pela comunidade cristã pernambucana. Benedito, Moisés, Elesbão, Baltazar, Antônio de Categeró, Efigênia e Bakhita são negros reconhecidos como santos pela Igreja, mas com pouca visibilidade na liturgia católica.
“Os padres, de um modo geral, não animam a população católica negra a cultuar os seus santos. Negligenciar a vida e a história desses negros e negras é um erro pedagógico, de catequese e de pastoral cometido pela Igreja, na minha avaliação”, lamenta Severino Vicente da Silva, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
São Benedito, diz ele, tem grande importância para um tema bastante atual: o desperdício de alimentos num mundo onde pessoas morrem de fome. Frade franciscano, São Benedito foi cozinheiro no convento onde morava e combatia o estrago de refeições. Um dia, ele botou num pano a comida que seria jogada fora, espremeu e saiu sangue, relata o historiador.
“Com o gesto, ele mostra que na comida há sangue e fala para os frades que, quando a pessoa joga comida fora está jogando fora o sangue dos pobres. Esse é um dos milagres atribuídos a São Benedito”, informa Severino Vicente da Silva. “A gente tem um santo católico preocupado com o desperdício de alimentos, já no século 16, e essa história não é contada”, diz o professor.
Africano radicado na Sicília e falecido em 1524, Benedito é o mais famoso santo negro em Pernambuco e no Brasil por causa das diversas irmandades e confrarias que levam seu nome, ressalta o historiador. Em Floresta, no Sertão do Estado, a primeira procissão do ano, dia 1º de janeiro, é dedicada a ele. “Reis e rainhas do Congo, em Floresta, ainda são coroados na Igreja de São Benedito.”
A cozinheira Maria Auxiliadora Canuto, moradora da comunidade do Rosário, no bairro do Monte, em Olinda, confirma as declarações do professor ao afirmar que desconhece a história e as datas em que se celebram os santos negros. “Eles são esquecidos pela Igreja Católica, não me lembro de nenhuma comemoração em homenagem a Santo Elesbão”, destaca.
Vizinha da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Olinda, a primeira a ser construída por escravos alforriados no País, no século 17, Maria Auxiliadora fazia parte da Irmandade do Rosário dos Pretos, hoje desativada. O templo, localizado no Sítio Histórico, tem as imagens de Santo Elesbão, São Moisés, São Benedito e São Baltazar.
“Na Igreja do Rosário dos Pretos de Olinda, Santo Elesbão e São Moisés Anacoreta ficam na capela-mor, um de cada lado de Nossa Senhora do Rosário, essa arrumação é muito rara”, comenta Maria Auxiliadora. A imagem de Santa Efigênia, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Recife, no Centro da cidade, ocupa um dos altares laterais.
Em Olinda, São Benedito segura rosas numa mão e um lenço branco na outra. “São os atributos que identificam o santo, ele doava rosas e pães, embrulhados num lenço, aos pobres. São Benedito é um luxo de humanidade para os franciscanos, ele tem uma história forte ligada a responsabilidade social, conforto espiritual, paz e harmonia”, reforça a restauradora Débora Mendes.
Ela recuperou as quatro imagens dos santos negros da Igreja do Rosário dos Pretos de Olinda em 2000. As peças participaram de exposição internacional pelos 500 anos do Brasil, representando Pernambuco em Nova Iorque, Paris, Londres e Itália. “A foto do Santo Elesbão de Olinda foi usada como capa do catálogo da mostra de Londres, no Museu de Oxford”, diz ela.
Rei negro da Etiópia, Santo Elesbão é representado abraçado à talha de um templo católico e pisando num rei branco, simbolizando sua defesa da igreja para a comunidade negra, descreve Débora Mendes. Carmelita, Santo Elesbão é considerado o advogado dos perigos do mar. Santa Efigênia, pertencente à mesma ordem religiosa, é a protetora dos incêndios em edifícios.
Santa Efigênia, da Etiópia, era filha de um rei, se converte e passa a acompanhar São Mateus, evangelista. “A tradição a remete ao tempo dos apóstolos de Cristo, ela está ligada à igreja primitiva”, diz Severino Vicente da Silva. Santa Josefina Bakhita (1869-1947), do Sudão, escrava liberta, viveu nos tempos modernos e foi canonizada pelo Papa João Paulo II no ano 2000. O culto a Santo Antônio de Categeró é maior na Bahia, acrescenta. “Os santos negros são mais animados e animadores nas comunidades de religião brasileira de origem africana", observa o historiador.