“Saí da Venezuela por não ter o que comer, só com a roupa do corpo, minha esposa e meu filho de um e ano e dois meses. Hoje, tenho um teto, uma nova profissão e uma chance de lutar pelo futuro da minha família. Nós renascemos em Pernambuco!”. A frase é dita por Joel Antônio Ruiz, 26 anos, com a mesma força com que ele segura nas mãos o diploma do curso de manutenção de computadores que acabava de ser entregue. Um justo orgulho de quem, por necessidade, mudou de país e agora, por esforço, muda de condição: de refugiado a cidadão.
Joel é um dos 120 venezuelanos que foram abrigados no alojamento da ONG Aldeias Infantis S.O.S. Brasil, localizada em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife. A “Venezuela Pernambucana” começou a se formar no dia 3 de julho deste ano quando o primeiro avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou no Aeroporto Internacional do Recife carregado de esperança. Na ocasião desembarcaram 69 imigrantes vindos de Boa Vista, capital de Roraima, Estado que faz fronteira com a Venezuela, em um processo de interiorização deles coordenado pelo governo federal com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). Depois outros três voos trouxeram mais venezuelanos.
O número de refugiados e migrantes venezuelanos no mundo já chega à marca de 3 milhões de pessoas, de acordo com dados divulgados na última quinta-feira pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur). O motivo da fuga do próprio país tem nome: Nicolás Maduro. A crise econômica, social e política instaurada no governo dele é insustentável, como reclama Augusto Zambrano, que veio para Pernambuco. “O governo não presta, desde que começou tudo está desmoronando. Ele não serve como presidente, não sabe administrar o país, ninguém quer ele lá”, afirmou Augusto.
O alojamento administrado pela ONG, em Igarassu, conta com uma estrutura parecida à de um condomínio residencial. São sete casas, cada uma tem quatro quartos, que comportam até 10 pessoas. Os moradores do entorno receberam de braços abertos os novos vizinhos. “São pessoas trabalhadoras, do bem e alegres. No começo foi meio difícil a comunicação, mas agora já dá até pra arranhar algumas palavras em espanhol”, brincou o aposentado Antônio Bernardo, 58 anos.
O acordo de permanência dos venezuelanos no local, com as despesas financiadas pelo Acnur, é inicialmente de seis meses. “O Acnur fez um acordo com a ONG para custear hospedagem e alimentação deles, enquanto o poder público municipal e o estadual garantem acesso às políticas públicas. O prazo inicial de acolhimento na ONG é de seis meses enquanto não conseguem a autonomia financeira para saírem de lá. Temos a informação de que 19 pessoas já deixaram o local. Mas quem não conseguir ficar independente até o prazo terá a situação analisada e, se for o caso, o benefício será estendido”, explicou o secretário-executivo de Assistência Social de Pernambuco, Joelson Rodrigues.
Por isso, cada dia em Pernambuco para os venezuelanos é uma verdadeira corrida contra o tempo para conseguir meios de sobrevivência. Um dos caminhos disponibilizados para isso foi o da qualificação. Vinte e dois deles concluíram no mês passado um curso de manutenção de computadores oferecido gratuitamente pelo Polo de Formação e Reúso de Eletroeletrônicos do Nordeste. Entre eles Joel, o que exibiu o diploma com satisfação. “Eu não entendia muito de computadores, mas aprendi a fazer manutenção, montagem e conserto. Agora, com o curso, me sinto mais confiante e acredito que será mais fácil conseguir um emprego”, disse.
A esposa dele, Jessireth Millan, 26, que também fez o curso, estava ainda mais radiante porque na véspera da formatura da turma ela recebeu um telefonema de uma empresa. “O curso já começou a dar frutos! Eles me ligaram dizendo que fui selecionada e que iria começar a trabalhar ainda este mês!”, disse a jovem, que logo depois não segurou as lágrimas. “Eu me emociono porque as pessoas daqui se preocuparam com a gente, nos deram uma oportunidade de aprender, de fazer algo útil, de ter esperança. Tenho certeza de que Deus nos trouxe até aqui com um propósito e temos fé que as coisas vão melhorar... Já estão melhorando”, afirmou Jessireth.
O ajudante de cozinha Eduardo Medrano, 38 anos, é um dos poucos venezuelanos que já conquistaram não só um trabalho como também o reconhecimento por meio dele. Ele havia feito um curso básico de culinária no seu país e passou muitos anos trabalhando em restaurantes e lanchonetes. Menos de um mês depois de ter chegado a Pernambuco já estava trabalhando em uma padaria gourmet em Igarassu. “Um cliente me falou que entre os venezuelanos estava um com boa experiência em cozinha. Então, chamei para uma entrevista e no teste todos já notaram que ele era diferenciado e tinha umas técnicas mais elaboradas”, contou Inês Gugel, dona da padaria. Ela diz que viu nos pratos dele um ingrediente básico, reconhecido em qualquer país: o tempero do amor. “Pela necessidade acho que toparia qualquer emprego, mas a gente vê que a cozinha para ele é uma verdadeira paixão”, garante.
O jeito tímido de Joel só desaparece quando ele está com as panelas nas mãos. “O meu maior prazer é ver o cliente satisfeito. Isso me mostra que estou cozinhando bem e me faz querer melhorar a cada dia”, disse, diante do calor do fogão. Questionado sobre sua força de vontade, o pai de um menino de 9 anos e um casal de gêmeas de 2 anos não titubeia: “Minha inspiração são meus filhos. Abandonei o meu país por eles, todo o meu esforço é por eles. É o que me faz seguir adiante”.
A timidez é vencida pelo sorriso largo quando fala da chance que teve de incluir no cardápio algumas opções de comidas venezuelanas. “Graças a Deus eu tive a chance de apresentar alguns pratos. Já testamos um guisado de carne com beringelas. Acho que gostaram. Os pratos voltaram vazios!”, contou, rindo, com satisfação de quem com um prato matou um pouco da saudade de casa.