Se você tivesse tempo e dinheiro suficiente para tirar do papel seu maior sonho, qual seria ele? O pernambucano de coração Anderson Dias, de 26 anos, não se limitou a apenas um, mas foi atrás de 196. Mesmo sem ter inicialmente toda a verba suficiente para se tornar o ser humano a conhecer mais rápido todos os países do mundo, ele foi lá e conseguiu. Do dia 27 de maio de 2018, quando deixou o Aeroporto dos Guararapes, no Recife, até o dia 24 de novembro de 2019, data de retorno no braço de quase 2 mil pessoas ávidas pela sua volta, no mesmo local, foram 543 dias de uma incrível saga que está prestes a entrar no Guinness World Records. Além de uns quilinhos a mais, Anderson voltou falando cinco idiomas (português, inglês, espanhol, russo e francês) e ganhou histórias únicas, como no dia que foi parar na festa de aniversário de Neymar, na França, ou quando precisou 'alugar' uma AK-47, aquele famoso fuzil Kalashnikov, para poder entrar no Iêmen.
O jovem recordista mundial, que também se tornou nesta epopeia o único brasileiro a viajar todos os países do globo, contou toda a sua viagem em tempo real através do perfil @196sonhos, no Instagram.
Vindo de origem humilde, Anderson, que deixou Salvador, na Bahia, quando tinha apenas cinco anos, precisou ralar muito para realizar seus 196 sonhos. “Comecei a costurar nas máquinas da minha mãe para ajudar no sustento dentro de casa. Aos dez anos, já trabalhava na Feira da Sulanca com meus pais. Com 17 anos, tive o sonho de vir estudar na capital (Recife)”, disse. Estudou dois anos de Turismo, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas não gostou e trancou. O mesmo aconteceu quando cursou Economia. Ele estava inquieto. Procurava algo em sua vida. “Entendia que tinha potencial para ganhar muito mais que um profissional de Economia ou até um concursado. Não era a minha praia trabalhar para alguém”, explicou.
Paralelo aos estudos, Anderson começou a vender capinha de celular nos ônibus do Recife para se sustentar. Juntou R$ 30 mil e foi fazer um intercâmbio de seis meses na Irlanda. Na volta, ele procurava algo mais em sua vida, mesmo com a empresa dando bons lucros. “Estava ganhando bem, mas triste. Precisava de desafios”. Foi aí que ele decidiu vender a empresa e o carro. Com os R$ 130 mil iniciais, ele começou a jornada para quebrar o recorde mundial, que, à época, pertencia à norte-americana Cassandra De Pecol, de 28 anos, e 558 dias para dar a volta ao mundo. “A curiosidade é que, durante a viagem, uma outra americana, Taylor Demobreum, baixou o recorde para 553 dias. Aí tive que mudar minha estratégia”.
Anderson iniciou sua jornada pela América do Sul. Depois, passou pela parte Central, do Norte, até chegar à Europa. Na França, uma das curiosidade é ter participado do aniversário do atacante Neymar, a convite do cantor Wesley Safadão. O jovem tirou foto com vários atletas do PSG, incluindo o francês Mbappé.
A viagem rendeu muitos cliques, fotos lindas e passeios únicos, mas ele precisou se virar para arrumar mais dinheiro. Usou da publicidade das redes sociais para continuar viajando. Segundo explicou, por mês, ele conseguia ganhar cerca de R$ 40 mil. “Gastava uns R$ 30 mil e mandava o resto para meus pais”, disse.
Os perigos e ‘perrengues’, claro, foram companheiros quase que inseparáveis. Mas Anderson sabia lidar bem com as adversidades, como a enfrentada no Iêmen, um país extremamente perigoso localizado na Península da Arábia. “Eles não emitem visto para turista, e me cobraram 100 dólares para emitir meu visto. Quando estava saindo da sala, eles disseram que eu precisava andar com uma arma para me defender. Paguei mais 20 dólares por uma AK-47, carregada. Quando deixei o país, claro, eu a devolvi”, disse.
Entrar na Coreia do Norte, na Ásia, um dos países mais fechados do mundo, também foi difícil, mas ele conseguiu. Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, Anderson foi tratado como um verdadeiro sheik. “Falta só o dinheiro, porque as roupas e as poses eu já tenho”, brincou, em um post no Instagram.
Foram várias aventuras, todas registradas em seu diário de bordo chamado Instagram. Ele enfrentou o medo de altura e saltou de um bungee jump, na Nova Zelândia, encontrou uma Muralha da China vazia para ‘chamar de sua’, teve alguns amores deixados pelos cantos do mundo, mas um dos momentos mais marcantes, como ele próprio afirmou, foi se deparar com os gorilas do Congo, no Virunga National Park.
Ver essa foto no InstagramEssa foto é digna de uma mensagem motivacional, mas a preguiça falou mais forte hoje ????????
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De volta ao Brasil desde o último domingo, sua vida continua tão corrida quanto antes. Além de conceder uma série de entrevistas, tirar fotos por onde anda, atender fãs, já que agora ele é um digital influencer, Anderson pretende compartilhar sua experiência, agora viajando pelos quatro cantos do Brasil. “Quero mostrar a todo mundo que não precisa ser rico para realizar seus sonhos. Empreender é criar oportunidade na dificuldade. Quero servir de exemplo.” E aí, qual sonho você vai querer realizar?
Qual foi a sua maior dificuldade enfrentada nesta longa viagem?
Do ponto de vista logístico, foi tirar os vistos, com certeza. Fui muito humilhado nas embaixadas. Tomei muito grito. Existe muita corrupção, precisei dar dinheiro e cheguei até a me ajoelhar para conseguir alguns vistos. Na República Democrática do Congo, por exemplo, fui deportado. Fiz uma estratégia de entrar por outra fronteira e paguei US$ 2 mil pela escolta para não sofrer emboscada e garantir a minha segurança dentro do país.
Dos 196 países, onde teve o maior susto?
Na Guiana, fui agredido por três homens, à noite. Um deu um soco na minha barriga e o outro me deu um 'mata-leão'. Cheguei a desmaiar e por pouco não morri. Roubaram meu celular e o dinheiro que estava comigo. Mas não pensei em desistir.
Foram várias experiências vividas, mas qual delas foi a melhor depois de 543 dias fora do Brasil?
O conhecimento que adquiri. De história, geografia, cultura... você poder sentar com qualquer pessoa em uma mesa e debater sobre tudo é bom demais.
E curiosidade engraçada, tem alguma?
Lá na arábia, fui comer com a mão esquerda e o cara disse que não podia porque era a mão que a gente limpava a bunda após usar o banheiro com o auxilio de um chuveirinho. Lá, isso é uma falta de respeito. A mão direita é usada para comer e cumprimentar.
Você é de família humilde, mas voltou para o Brasil famoso, com um recorde e mais de 1 milhão de seguidores no Instagram. Como pretende ajudar sua família?
A partir do décimo mês de viagem (foram 18, ao todo), comecei a mandar dinheiro para meus pais. E se puder anotar aí (apontando para o meu caderno de apuração), eu já aposentei meus pais. Não queria ver minha mãe cozinhando mais 12 horas por dia para ganhar menos de R$ 2 mil por mês. Agora, tenho condição de pagar um salário para eles.