Frente em defesa dos povos de terreiros

Após árvore sagrada ser queimada duas vezes no Terreiro de Pai Adão, entidades se juntam para preservar tradição
Margarida Azevedo
Publicado em 19/12/2019 às 16:03
Após árvore sagrada ser queimada duas vezes no Terreiro de Pai Adão, entidades se juntam para preservar tradição Foto: Foto: Filipe Jordão / JC Imagem


Instituições e pessoas ligadas ao patrimônio cultural e a religiões afrobrasileiras de Pernambuco vão se juntar para criar uma frente em defesa da tradição dos povos de terreiro e do respeito à identidade religiosa. A motivação para constituir o grupo surgiu depois que um iroko, árvore sagrada existente no Terreiro Ilê Obá Ogunté Sítio de Pai Adão, em Água Fria, Zona Norte do Recife, foi queimada pela segunda vez em um intervalo de um ano e um mês. O incêndio mais recente ocorreu no último dia 8. O mesmo tinha acontecido em novembro do ano passado. Pais e mães de santo relatam que tem sido cada vez mais comum os casos de intolerância religiosa no Estado e pedem providências do poder público.

Em reunião ontem, no Terreiro de Pai Adão, ficou definido também que entidades farão manifestações públicas repudiando a violência sofrida pela árvore. Participaram do encontro representantes dos Conselhos de Cultura e do Patrimônio Cultural do Estado, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Prefeituras do Recife e de Olinda, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) entre outras instituições.

“É o segundo atentado em tão pouco tempo, no terreiro mais antigo de Pernambuco em atuação. Além da criação a frente em defesa dos povos de terreiro, vamos agendar nova reunião. Desta vez, chamaremos Polícias Civil, Militar e Federal e Ministério Público Estadual, além de convidar o governador Paulo Câmara”, explicou o presidente do Conselho de Patrimônio Cultural do Estado, Aramis Macedo, coordenador do encontro.

A Secretaria de Direitos Humanos do Recife informou que vai apresentar ao MPPE, no dia 13 de janeiro, um Plano de Combate ao Racismo Religioso, resultado de um trabalho de cerca de dois anos.

“O plano surgiu depois que um inquérito civil do MPPE constatou a violação em terreiros nos bairros da Várzea, Pina e Ibura. Mas há denúncias de outros casos. Vamos apresentar propostas de ações voltadas para formação, prevenção e acompanhamento das denúncias. É uma versão preliminar, que precisa ser pactuada com o Ministério Público e o Estado antes de ser lançada”, destacou a gerente de Igualdade Racial da Secretaria de Direitos Humanos, Girlana Diniz.

COBRANÇA

“Até hoje não sabemos quem incendiou o iroko no ano passado. Esperamos apoio das autoridades. A junção de várias instituições nos leva a crer que teremos mais força”, disse o babalorixá Manoel Papai, líder do Terreiro de Pai Adão.

“O iroko é uma árvore sagrada, para a gente é um orixá. É como se tivessem queimado um quarto do meu pai, da minha mãe. Chorei três dias depois desse segundo incêndio. Batalhamos por mais segurança nos terreiros. É muito difícil porque candomblé é coisa de negro. As pessoas esquecem que foram os negros que deram suor e sangue pela construção do Brasil”, destacou.

O iroko tinha mais de 130 anos e ficava nos fundos do terreiro. Apesar de ter sido queimada em novembro de 2018, a árvore resistiu e continuou sendo usada nas festas e rituais. Mas agora, a ação foi mais forte e destruiu a vegetação.

“Nosso prejuízo não foi maior porque a natureza se encarregou de deixar um filhote. Na frente do terreiro tem um pé de abricó, também centenário. Depois de mais de cem anos, brotou uma nova árvore entre os galhos do abricó. Acreditamos ser coisa de orixá. Será nosso novo iroko”, contou Manoel Papai.

No Recife existem mais três irokos, segundo ele: um em Dois Unidos, num local onde antes havia o Terreiro de Mãe Amara (já extinto), Zona Norte do Recife, e dois no Museu da Abolição, na Madalena, Zona Oeste.

 

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