Como a Cidade Alta de Olinda se transforma e liga a chave da euforia no Carnaval

Desde setembro, para o bem e para o mal, o Sítio Histórico de Olinda não é o mesmo. De pacato vilarejo com pouco mais de 5 mil habitantes, o Sítio Histórico se transforma no coração da folia de Pernambuco
Cleide Alves
Publicado em 07/02/2020 às 13:28
Desde setembro, para o bem e para o mal, o Sítio Histórico de Olinda não é o mesmo. De pacato vilarejo com pouco mais de 5 mil habitantes, o Sítio Histórico se transforma no coração da folia de Pernambuco Foto: Foto: Guga Matos/Arquivo JC Imagem


Por seis ou sete meses, a Cidade Alta de Olinda é um pacato vilarejo colonial com 6.583 habitantes abrigados em 2.405 domicílios e entrecortado por 16 igrejas antigas. A vida mansa, perfumada pelo cheiro de jasmim e regulada pelo repique dos sinos, começa a se transformar em setembro. Não em um dia qualquer, mas precisamente no dia 7. Em Olinda, 7 de setembro não simboliza apenas o feriado nacional pela Independência do Brasil, nem a chegada do verão, que aliás chegou com fé. É a abertura da temporada das prévias carnavalescas.

E aí, por cinco ou seis meses, para o bem e para o mal, o Sítio Histórico de Olinda não é o mesmo. Nem adianta dizer que o Carnaval tem data e é só em fevereiro ou março. “Tudo muda a partir de setembro”, afirma a fotógrafa, fundadora da empresa Proa Cultural e morada do Bonfim, Maria Chaves, 41 anos. A quantidade de gente na rua é o principal termômetro. De repente, a pacata Cidade Alta passa a conviver com milhares de pessoas nas prévias, em especial aos domingos, depois aos sábados e às sextas-feiras também.

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“Nesse período é como se alguém ligasse a chave da euforia, um monte de gente acompanha a saída dos blocos (ensaios) e outro monte de gente fica na rua esperando alguma coisa acontecer”, descreve Carol Medeiros, 42, moradora do Carmo. “O domingo é um palco e quando amanhece a segunda-feira tudo está tranquilo novamente”, observa Maria Chaves. “A vida noturna muda completamente, os moradores começam a botar cadeiras nas calçadas para ver o movimento”, destaca Carmem Marcondes, 43, residente no bairro do Amparo.

Nem tudo são flores

A mudança, digamos, não é assim tão pacífica. Sim, os moradores reclamam, e muito, dos transtornos no trânsito, do barulho, do mau cheiro, do lixo. Não vá pensando que tudo são flores nesse mundo de confete e serpentina. “Na Ribeira, com ensaios de maracatus, é impossível assistir à televisão em casa, a acústica é complicada”, afirma Valéria Acampora, 58.

Mas, com o vaivém de visitantes a todo vapor, não tem quem resista ao clima de festa. Então, entre queixas e batuques, moradores resgatam as fantasias guardadas em baús, comerciantes e artesãos abrem as janelas para expor seus trabalhos, músicos fazem mais apresentações em bares e a Cidade Alta se prepara para receber, no Carnaval, 3,4 milhões de foliões. Quase a população dos 15 municípios da Região Metropolitana do Recife, de 4 milhões de habitantes.

“Tenho seis caixas com fantasias na parte de cima do guarda-roupas, em outubro desço todas para o corredor e já vou usando adereços nas prévias”, revela Maria Chaves. “A trilha sonora do carro muda para o frevo e a casa de uma das amigas vira o quartel-general para o esquenta nas prévias”, completa Carmem. “Decoro a casa, uso fantasias e recebo amigos, quem não embarca nessa transformação acaba morrendo”, diz Valéria, moradora do Bonfim.

Aquela cidade mais calma, com famílias aproveitando as praças nos fins de semana e em dias de folga, cede espaço para o fuzuê, comenta Carol Medeiros. Os ensaios de orquestras no Grêmio Musical Henrique Dias, bem pertinho dos Quatro Cantos, viram ponto turístico. “É tão lindo que até moradores param para espiar”, declara Carmem Marcondes.

É a Olinda dormitório se transformando na cidade que não dorme, por onde passam uma duas mil agremiações do Sábado de Zé Pereira até a Quarta-Feira de Cinzas. A cidade sem cordão de isolamento nos blocos, do Carnaval espontâneo, que cria uma troça a partir de uma porta escorada na parede, de um elefante que adornava a casa da avó e de um bando de homem brincando com um galho de pitombeira. “Essa é a magia de Olinda no Carnaval”, ressalta a historiadora e moradora Aneide Santana.

“A gente não se desliga completamente do Carnaval, mas de fato quem mora em Olinda vive um clima sazonal. Quando acaba o Carnaval e começa a Quaresma, a gente volta a escutar as procissões religiosas de manhã cedinho, os sinos da igreja tocam novamente e a tranquilidade retorna ao Sítio Histórico, até setembro chegar outra vez”, diz Maria Chaves.

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