Ceronha Pontes é daquelas atrizes completas. “Ela é uma mulher de textos fortes, você sabe”, resume perfeitamente bem Claudio Kovacic, reconhecido chef de cozinha e recém-estreante diretor de teatro. Daquelas mulheres que tomam o palco com grandiosidade de interpretação e prendem a plateia pela precisão dos gestos e da emoção, Ceronha estreia, hoje, uma nova personagem, forte e particular: Marguerite Duras. Trata-se de um encontro poético e apaixonado com a história de vida da escritora e cineasta de origem vietnamita, considerada nome fundamental da literatura do século 20.
Não importa se tu me amas. Eu sou Duras, escrita e dirigida pelo próprio Kovacic – com figurino de Carol Monteiro e projeto de peças gráficas de Cleyton Cabral – abre a programação da semana comemorativa ao centenário de Marguerite, e fica em cartaz até dia 13 de novembro, na Aliança Francesa. Hoje, a apresentação é só para convidados. A partir de amanhã, a montagem estará aberta ao público, com sessões sempre às 20h (ingressos a R$ 15). “Quando escrevi Duras, que é a minha primeira peça, não imaginei nunca outra pessoa a não ser Ceronha para interpretá-la”, elogia o diretor croata-chileno, que vive aqui há cinco anos. Um elogio justificável, diante da atriz cearense adotada pelo Recife e uma das integrantes do Coletivo Angu de Teatro.
“Já acompanhei muita coisa de teatro, aqui e em outro lugares do mundo. No caso de Ceronha, quando a vi atuar pela primeira vez, eu disse que precisava ser apresentado a ela imediatamente. E na verdade, criei um espetáculo para tê-la”, diz, aos risos, Kovacic que dirigiu Ceronha pela primeira vez em janeiro deste ano, no espetáculo gastronômico Espetacular espetaculoso, assinado por ele e pelos diretores André Brasileiro e Marcondes Lima.
Em Não importa se tu me amas. Eu sou Duras, conta Ceronha, “o texto se permite a várias licenças poéticas”. Longe de ser uma biografia, a peça rompe e brinca com tempo da história, e se passa no Recife contemporâneo, palco do encontro entre Marguerite e Clarice Lispector. “A peça começa com Marguerite recebendo a notícia da morte do seu amante. Ela começa a se questionar sobre a vida e a morte. Com ele morto, a escrita dela perde o sentido. Como se ela tivesse passado a vida inteira escrevendo para ele”, resume Ceronha. “É forte essa questão da morte, né? Eu sempre saio emocionada das leituras”, continua a atriz que, ao receber a reportagem, saía da sala de ensaio enxugando as lágrimas. “Tenho uma vida muito mais tranquila do que as das minhas personagens. Não persigo a paixão. Isso é coisa que dá e passa. Mas elas sempre me tocam. Talvez por isso.”
No ano passado, Ceronha deu vida à polêmica e sofrida Camille Claudel (1864-1943), num monólogo cujo título era o próprio nome da escultora francesa que foi trancafiada, por 30 anos, em um manicômio e abandonada pela família e pelo seu amante, o também escultor Auguste Rodin (1840-1917). Seguidora da metodologia stanislavskiana – Ceronha Pontes trabalha com a segunda fase do pensamento de Constantin Stanislavski, que defendia a concepção de uma memória física do ator, a qual possibilita ao intérprete evocar sentidos e sensações.
Dona de um olhar introspectivo e verborrágico, a atriz interpretou Camille com enorme veracidade, falando com os gestos de maneira arrebatadora. A peça rendeu à intérprete o Prêmio de Melhor Atriz do Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano. “Camille (de Ceronha) tinha a gesticulação exatamente igual à dos pacientes crônicos. O corpo dela esclarecia isso, e essa preocupação dela ratificou que eu estava diante de uma técnica”, diz Kovacic, amante da interpretação precisa. Esse olhar sobre o trabalho da atriz é quase unânime entre seus parceiros de cena. André Brasileiro, diretor do Coletivo Angu, que a dirigiu em Espetacular espetaculoso e Essa febre que não passa, afirma que Ceronha, com sua capacidade criativa e de entrega ao trabalho, incentiva e emociona qualquer companheiro de oficio. “E, para quem a dirige, é sempre um oceano de possibilidades”, ressalta André.
Kovacic e Ceronha vivem dias de exaustão. O projeto surgiu faz dois meses, mas há uma semana, eles ensaiam incansavelmente – antes, no próprio restaurante de Kovacic; e agora, no auditório da Aliança Francesa. Ceronha, que está vivendo uma temporada no Rio Grande do Norte (praticamente morando lá), preparando uma nova montagem (desta vez, nos bastidores), conseguiu uma brecha na agenda para ficar estes dias na capital pernambucana. Em Natal, ela faz assistência de direção e preparação de elenco do espetáculo Margem ribeira, assinado pelo colega Marcondes Lima.
Na preparação de Não importa se tu me amas..., é Claudio Kovacic quem apresenta Duras a Ceronha Pontes. “Ele é um apaixonado, um profundo conhecedor da obra dela. Quando recebi o convite, não acreditei que iria interpretar aquela mulher que eu li aos 20 anos, que me emocionei no cinema ao ver o filme sobre sua vida. Tenho seguido muito pelo olhar de Kovacic, pela percepção dele”, afirma a atriz que vive um desespero emocional sempre antes de subir ao palco para viver suas personagens. “Estar sozinho em cena é muito pior do que em grupo. Mas gosto. Acho que vou fazer outros monólogos, sim, como exercício de atriz”, finaliza a cearense, pronta para viver mais uma arrebatadora personagem e levar à cena, de novo, a discussão de ser mulher, numa sociedade em que, sobre elas “tudo está posto, só não está resolvido”.