Cidades do interior de Pernambuco mantêm tradição da Paixão de Cristo

Edital Pernambuco de Todas as Paixões, do Governo do Estado, ajuda a financiar, mas não é suficiente
Márcio Bastos
Publicado em 30/03/2018 às 15:52
Edital Pernambuco de Todas as Paixões, do Governo do Estado, ajuda a financiar, mas não é suficiente Foto: Divulgação


Quem assiste à Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, com sua estrutura de superprodução, dificilmente consegue imaginar que, há 50 anos, o espetáculo era realizado de forma amadora, ocupando as ruas de Fazenda Nova. Mas foi do desejo de movimentar o comércio da região – e também de criar uma atração cultural que entretesse e divulgasse a passagem bíblica – que o empresário Epaminondas Mendonça passou a investir no Drama do Calvário. O espetáculo, assim como a montagem do Recife, até hoje serve de inspiração para peças espalhadas pela região metropolitana da capital e pelo interior, reforçando – e renovando – a tradição das Paixões em Pernambuco.

Apesar de o Drama do Calvário ser lembrado como um grande marco no Estado em relação ao interesse e da divulgação de montagens dos últimos dias de Jesus, espetáculos com proposta semelhante não eram novidade em Pernambuco. Em 1939, o Grupo Gente Nossa levou ao palco do Teatro Santa Isabel Jesus, um melodrama do dramaturgo e maestro Felipe Caparrós, atraindo um bom público, como lembra o ator, jornalista e pesquisador Leidson Ferraz.

“A tradição das Paixões em Pernambuco é antiga e forte. Mas é inegável a influência das montagens de Nova Jerusalém e do Recife, que criaram um novo imaginário para as gerações seguintes – e continuam a impactar. Hoje, essas duas encenações são as principais influências das obras que são apresentadas no interior e nos bairros”, afirma.

Este ano, Leidson foi um dos integrantes da Comissão de Análise de Mérito Cultural, que selecionou projetos inscritos no 10º Edital Pernambuco de Todas as Paixões, promovido pelo Governo do Estado através da Secult e da Fundarpe. A iniciativa garantiu o financiamento de 12 montagens no Estado, destinando um montante total de R$ 340 mil. Para o jornalista, que trabalhou por 11 anos na Paixão do Recife, o edital tem papel essencial no fomento dessas atividades e estimula a criação artística em cidades que sofrem com a escassez de produções cênicas.

“O edital é muito importante e é essencial que ele seja fortalecido. Muitos dos espetáculos sobrevivem hoje por conta desse apoio e, ainda assim, as equipes precisam de muito apoio, porque é uma batalha para fazer. A maioria, aliás, trabalha de forma voluntária porque o recurso é utilizado principalmente para alugar os equipamentos, fazer os figurinos e cenários. Estou tendo a oportunidade de visitar os locais de encenação e tem sido uma troca muito importante para apontar o que há de positivo e o que pode ser melhorado”, reforça Leidson.

EMPENHO

Essas montagens alternativas da Paixão de Cristo são, essencialmente, fruto da dedicação de seus integrantes, grande parte deles normalmente alheios ao teatro. À frente da encenação de Limoeiro, George Pestana observa que esses trabalhos ajudam a mobilizar a comunidade e movimentam, também, o comércio local, como acontecia em Fazenda Nova nos anos 1950. Em média, cada uma dessas peças mobiliza, diretamente, no mínimo cem pessoas.

“Temos uma carência muito grande de teatro em Limoeiro. Então, quando chega esta época, as pessoas se animam, se mobilizam e querem colocar para frente a Paixão. Cada um ajuda com o que pode: quem quer atuar vai para o palco, mas também tem quem costure os figurinos. Enfim, é uma entrega e há quem doe materiais e quem doe seu tempo. O mais importante é que tudo é feito por gente daqui e toda a verba que ganhamos é investida no comércio local”, afirma o diretor que comanda a obra há 15 anos.

George reforça ainda que os espetáculos da Paixão, apesar do viés religioso, não são excludentes. Pelo contrário: ele afirma que no elenco, pessoas de todas as religiões se juntam para celebrar a história de Jesus, mas que, em nenhum momento, tenta-se fazer um papel de conversão através da arte.

Ao todo, a Paixão de Cristo de Limoeiro mobiliza cerca de 100 pessoas no elenco e na parte técnica. A obra, que é apresentada no Centro Cultural da Praça da Bandeira hoje e amanhã, sempre às 20h, reúne um público de mais de 500 pessoas por noite. Dentre as que foram selecionadas pelo Ciclo das Paixões, é uma das únicas a cobrar ingresso no valor de R$ 10 (preço único). A outra montagem que também conta com bilheteria é Jesus, Alegria dos Homens, projeto que existe desde 1991 em Garanhuns, com ingressos custando R$ 5.

CRIATIVIDADE

A escassez de recursos à qual estão sujeitos esses trabalhos faz com que os diretores tenham que improvisar – e muito – para contar uma das histórias mais conhecidas da humanidade.

“Diante da precariedade, o que se vê é uma capacidade criativa muito grande. Por exemplo, a cena de enforcamento de Judas. Como fazer isso em um espaço fechado, sem coxias e sem dinheiro para grandes truques? É difícil, mas eles conseguem. Por isso, sempre me impressiona quando percebo esse esforço em entregar algo de qualidade tendo tão pouco”, explica Leidson.

Além dessas questões técnicas, sem o comprometimento com patrocínios ou com uma estrutura enrijecida que seus irmãos de Nova Jerusalém e Recife, esses espetáculos também apostam em formas não convencionais de contar a Paixão.

Em Ponte dos Carvalhos, por exemplo, a montagem Paixão da Ponte utiliza um texto escrito na década de 1960 pelo padre Geraldo Leite Barros para tratar de temas como opressão política e injustiças sociais. A obra ganha encenação hoje, às 20h, na Arena da Paixão, que fica no cruzamento entre a Rua das Acácias e Rua das Dália.

Já o espetáculo A Força da Paixão, em Gaibu, utiliza a praia como cenário da via-crúcis de Cristo e foi concebido a partir de vivências com os moradores da região. A apresentação começa às 19h30, na Avenida Laura Cavalcante. Atualmente, a obra é vista por cerca de 20 mil pessoas.

No Sertão do Estado, no município de Parnamirim, a montagem Jesus de Nazaré: Um Espetáculo de Fé, da Companhia de Teatro Imaginarte, comemora 30 anos de atividades, com 60 atores e 70 figurantes em cena. Recebem ainda espetáculos contemplados pelo edital as cidades de Bom Jardim, Salgueiro, Orobó, Camaragibe, o bairro de Casa Amarela, no Recife, e São Lourenço da Mata.

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