Desde os anos 1940, o Brasil passava por um período de transformação nos seus palcos. A chamada modernidade do teatro nacional, com destaque para a figura do encenador e mudança de temáticas, distanciando-se do puro entretenimento, ganhou força com a chegada de encenadores europeus; mas se consolida, de fato, com o processo de autodescoberta dos artistas locais, tratando da realidade do país através da cena e da dramaturgia. Um dos principais nomes desse movimento foi o pernambucano Hermilo Borba Filho e seu projeto artístico é tema do livro TPN: O Palco e o Mundo de Hermilo Borba Filho, que o professor e dramaturgo Luís Reis lança dia 17 de julho, às 19h, no Museu do Estado. O lançamento integra uma série de atividades em celebração ao centenário do artista, iniciada ano passado.
Homem de teatro por excelência, Hermilo inicia sua trajetória ainda em Palmares, onde nasceu, em 1917. Na década de 1930, trabalha como ponto (indivíduo responsável por auxiliar os atores com as falas) no Grupo Gente Nossa, de Samuel Campelo e, nos anos 1940, auxilia o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) com traduções e participando de alguns espetáculos. Mas, inquieto e buscando renovação nas artes locais, assume a direção artística do Teatro de Estudantes de Pernambuco (TEP), em 1945.
“Hermilo foi um artista generoso, não sectário e por onde passou, soube tirar importantes ensinamentos. Mas é de fato no TEP onde ele começa a poder colocar em prática as suas ideias artísticas. Ele queria levar o teatro moderno a um público mais amplo, procurando dialogar com pessoas de todas as classes sociais. Isso numa época em que o Santa Isabel, casa do TAP, era frequentado sobretudo por pessoas das classes mais altas”, explica Luís Reis.
Ali, já consegue implementar mais de sua visão, mas passa a desenvolvê-la com mais ênfase quando funda o Teatro Popular do Nordeste (TPN), ao lado de nomes comoAriano Suassuna, Gastão de Holanda, José de Moraes Pinho, Capiba e Leda Alves.
“O TPN foi o espaço onde Hermilo pôde se experimentar, de forma mais radical, como criador. Foram anos de uma inacreditável intensidade de trabalho. Anos de maturidade intelectual e artística. Para ele e boa parte dos pensadores da cena moderna, o texto era o elemento primordial do fenômeno teatral. Sem dramaturgos, uma nação não teria bom teatro. Por isso, todo o seu empenho para estimular uma nova geração de autores nordestinos, como Ariano Suassuna, Osman Lins, entre tantos outros nomes que deram importante visibilidade ao teatro de Pernambuco na segunda metade do século 20. Os ecos desse esforço certamente podem ser sentidos na vibrante produção dramatúrgica de nosso teatro atual.”, reforça Reis.
Entre as principais características do TPN estavam a atenção minuciosa com o texto, investigação das manifestações culturais nordestinas e a preocupação com fazer um teatro que ajudasse na transformação do panorama social. Segundo Luís, o conceito de “popular”, naquela época, estava no centro das disputas estéticas e éticas e, no manifesto do grupo, assinado por Hermilo e Ariano, a palavra é usada como sinônimo do melhor teatro produzido no mundo, dos gregos ao elisabetano. O escritor observa que o termo, mais do que uma resposta, foi utilizado como uma pergunta que Hermilo perseguiu até o fim da vida.
“O TPN foi uma grande escola, não somente de teatro, mas de cultura de modo bem amplo. Por ali, passaram alguns dos mais brilhantes artistas de nossa terra, na música, nas artes visuais, e também, claro, nas artes cênicas. Havia um aspecto indispensável a qualquer boa escola: o culto à investigação, numa atmosfera muito propícia à experimentação, ao diálogo. Havia muitos professores e estudantes do Departamento de Teatro, da antiga Escola de Belas Artes, envolvidos no projeto. Todos trabalhando ao lado de pessoas de fora da Universidade, promovendo diálogos muito ricos, sempre com a intenção de modificar o panorama teatral de Pernambuco”, enfatiza.