Para muitos, a ópera ainda é vista como um gênero artístico hermético, restrito a uma elite econômica e intelectual. A ideia não poderia estar mais equivocada, como mostram os esforços de muitos artistas ao longo dos séculos de aproximar a expressão de um público amplo. No Recife, a ópera tem uma história consistente, apesar das dificuldades de produção. Nos últimos anos, a linguagem tem encontrado terreno fértil graças aos esforços do Coro da Academia de Ópera e Repertório e da Sinfonieta UFPE. Sob a regência do maestro e direção artística baiano Wendell Kettle, os artistas apresentam entre os dias 16 e 19 de maio mais um trabalho, Pagliacci, do italiano Ruggero Leoncavallo, no Teatro de Santa Isabel.
A ópera escrita no século 19 acompanha um trupe ambulante que circula pelas aldeias da Calábria quando Canio, chefe da companhia, encontra Nedda, uma jovem em situação precária, agonizando de fome. Acolhida pelo grupo, ela se apaixona e casa com Canio. Temos depois, com a companhia já estabelecida, ela se torna a grande estrela do grupo. Nedda, no entanto, vive um relacionamento abusivo com o marido, que tem ciúmes doentios. Como forma de escapar dessa situação, ela planeja uma fuga com Silvio, seu amante. Este triângulo amoroso cria um cenário de tons trágicos para todos os envolvidos.
No elenco estão Lucas Melo, Diel Rodrigues, Anita Ramalho, Gleyce Melo Anderson Rodrigues, Elias Marques, Estêvão Batista, Adriano Soares e Tiago Costa. O figurino e os cenários são de Marcondes Lima e a produção executiva é de Jéssica Soares.
“Pagliacci é uma obra sensacional, de uma dificuldade enorme, que impõe grandes desafios a todos os envolvidos, da orquestração aos cantores. Estou muito feliz com o resultado e com os esforços dos nossos profissionais, que se lançaram de corpo e alma para aprender os papéis e a linha vocal virtuosística. E o que mais me emociona: é tudo feito com artistas locais, ressaltando nossos talentos”, enfatiza Wendell Kettle, que tem doutorado em regência sinfônica e de ópera no Conservatório Rimsky-Korsakov de São Petersburgo, na Rússia State Conservatory.
Desde que chegou ao Recife, em 2016, o maestro e professor tem investido no projeto de extensão dentro do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco que fomenta a ópera no Estado. Com ele reforça, é um esforço coletivo em diálogo com a sociedade, reforçando a importância da produção proveniente das universidades federais.
“A ideia da gente é fazer com que a ópera se torne uma manifestação artística cada vez mais comum aqui. Ainda este ano vamos fazer mais ações, sempre de forma acessível, para sensibilizar o maior número de pessoas possível”, reforça.
Desde sua formação, o coletivo já realizou diversas montagens, como as óperas O Contrato de Casamento, de Rossini (2017); Júlia, a Tecelã, de Wendell Kettle (2017); Carmen, de Bizet (2018) e Leonor, de Euclides Fonseca (2019).
Além de investimentos próprios, algumas dessas obras contaram com apoio do Governo do Estado, como Carmen, que incluiu a ópera entre as linguagens fomentadas pelo Funcultura. Segundo informações da Secult/Fundarpe, este ano serão destinados R$ 388.444,44 para a linguagem. Nos últimos anos, foram apoiados projetos de bolsas de estudo no exterior, cursos de aperfeiçoamento na linguagem e montagens de óperas compactadas e outras completas, em um total anual de R$ 437 mil, fora apoios diretos para concertos e óperas compactadas.
Como mostra a pesquisa de Karuna Sindhu de Paula, Felipe Azevedo de Souza e Sérgio Deslandes que resultou no livro Ópera no Recife: Vozes, Bastidores e Espectadores (esgotado, mas com possibilidade de encomendas através do email operadorecife@gmail.com), a capital pernambucana tem uma forte ligação com a ópera.
“A ópera é uma arte muito rica, composta por muitas linguagens. Vejo um trabalho importante que está sendo feito nos bastidores, que é estimular novos públicos com ensaios abertos para as escolas públicas, para que a gente passe a ver ópera de outra maneira e não só como um espetáculo exótico que está no século 19. Precisamos entender a ópera como uma arte em transformação, viva e possível, sobretudo, porque apesar de ser muito cara, ela pode ser inventada, reinventada e possível”, reflete Karuna Sindhu.