Não existe como falar da história de Tereza Costa Rêgo sem adentrar no enredo repleto de reviravoltas, mudanças bruscas, paixões, reinvenções. É algo quase injusto quando se fala em uma das maiores artistas pernambucanas e brasileiras, pois, se sua vida é impressionante, suas telas não deixam nada a dever. Ainda assim, falar de história – seja a pessoal, seja a coletiva – nunca é estranho diante de uma pintora que se alimenta tanto do passado para recriá-lo em tons de vermelho e com um olhar único – feminino, social e erótico.
Essa vida cinematográfica é narrada habilmente pelo repórter deste Jornal do Commercio Bruno Albertim no livro Tereza Costa Rêgo – Uma Mulher em Três Tempos, parte da coleção Memória da Cepe Editora. O livro será lançado quarta (18), às 19h, no Museu do Estado, junto com a biografia Montez Magno: Poeta, Artista, Camaleão, escrita pela jornalista Olívia Mindêlo. Os volumes custam R$ 80 cada.
Ao longo de sua trajetória, Bruno escreveu diversas vezes sobre a artista, a ponto de se tornar amigo dela. O convite da Cepe para escrever a biografia foi, portanto, um passo natural. A proximidade de Tereza foi tanto um ponto de facilidade como de dificuldade. “Ao contar a própria história, as pessoas se guardam, se preservam. E a memória também tem suas armadilha, cria suas próprias ficções. Em alguns momentos, foi mais difícil, porque a história de Tereza é cheia de tragédias. Ela chorava, pedia para parar com a entrevista, pedia para eu sair da sua casa”, relata o jornalista.
A Tereza dividida em três tempos não é uma imagem difícil de entender. Nascida em uma família da aristocracia rural decadente, foi criada para, como ela mesma diz, enfeitar “o piano da sala”. Casou-se com, José Gondim Filho, que se tornaria mais tarde procurador do trabalho – era um cotidiano de filhos e eventos sociais, quando sua vida começou a ser de fato sua.
A segunda Tereza surge de uma paixão não planejada: o amor arrebatador pelo político Diógenes Arruda, do PCdoB. Ao deixar o marido, foi “banida da sociedade da época”, como sintetiza Bruno. “Tereza entrava agora na vida de amor e de política”, conta. Ao lado de Diógenes, ela foi recebida na China da Revolução Cultural com pompas de estado.
Com a ditadura no Brasil, o casal passou a ser perseguido. Diógenes foi preso e, depois de 1972, o casal decidiu se exilar. Os dois moraram no Chile até Pinochet instaurar a sua sangrenta ditadura. “Uma vez, Tereza estava na rua depois do toque de recolher e foi parada por policiais. Ia ser presa, mas teve a calma de blefar: disse que era filha de um general brasileiro. A ameaça funcionou”, narra Bruno. Depois disso, foi morar na França.
Quando voltaram ao Brasil, em 1979, um baque: Diógenes morreria três meses depois de pisar na terra natal. Tereza assumiria agora a vertente de pintora, que a acompanhava desde a sua formação em Belas Artes quando mais jovem. “Antes, ela era a mulher do dirigente. Agora, seria Tereza Costa Rêgo, a artista”, comenta Bruno.
Nas conversas com Tereza, o jornalista notou que ela não via como sua vida trazia uma síntese de boa parte do que foi o século 20 – mas é inevitável ver nesses três tempos o turbilhão, bem retratado por Bruno, que foram essas décadas. Estabelecida em Olinda, ela foi se tornando a artista plástica de obras como a série Sete Luas de Sangue, o quadro A Ceia Larga ou A Pátria Nua e do mais recente Mulheres de Tejucupapo, que abre esta matéria. O crítico Marcus Lontra já vaticinou: “o Brasil tem a obrigação de descobrir a pintura de Tereza Costa Rêgo”. Bruno concorda. “A história é a argamassa da obra dela. Ela sempre diz que história é necessária até para comprar pão. E Tereza compõe a história com um ponto de vista feminino”, define o biógrafo.