Melancolia e transitoriedade. As obras da nova exposição do pernambucano Ramonn Vieitez, intitulada ironicamente de Um Lugar Calmo Para Minhas, trazem um pouco de cada uma dessas coisas. A mostra, com curadoria de Ton Martins, marca o retorno do artista ao Recife após três anos, e tem abertura hoje, às 19h, na galeria Amparo 60.
Se em 2016, na sua famosa série Assasinos, Ramonn concebe um minimalismo sugestivo através das máscaras usadas pelos seus modelos, agora o recurso é transportado para a totalidade do quadro. Não há, como antes, fundos negros ou ambientes urbanos. A tela é ocupada por plantas com colorações vibrantes que contrastam com a desolação de homens posicionados entre elas. O artista encontra na natureza novas formas de reinventar a dimensão enigmática das suas obras.
Esse procedimento surge, conta Ramonn, de “um olhar simbolista para o cotidiano”. Ação simples que, ainda segundo ele, não nasce a partir de uma visão “fotográfica”, mas de um processo de criação que enxerga na natureza uma fonte de inspiração.
Um exercício similar ao que o cineasta experimental Michael Snow traz para o cinema com o filme Wavelength (1967). O diretor posiciona uma câmera frente a um cômodo, durante 45 minutos, para ressignificar imagens do cotidiano através do aparelho audiovisual. Mas, enquanto o norte americano tem no registro cinematográfico contextos e limites bem traçados, Ramonn dispõe na pintura de um universo infinitamente mais possibilitador.
A realidade não é capturada e transfigurada no novo. Pelo contrário, ela é, precipuamente, concebida pela ótica criativa do artista, sem nunca deixar de parecer natural.
É dessa forma que as árvores em pinturas como Cry baby (Devil man) tornam-se violetas. E, mesmo em tom vibrante, consegue remeter a sentimentos de solidão e melancolia.
Um dos pontos fortes na exposição são os trabalhos inéditos do artista com outras mídias. Cactos cultivados em seu jardim, por exemplo, ganham nova vida ao receberem interferências com poliuretano, resina e tinta acrílica. Nasce a obra Bloom. “É a transformação de uma matéria em outra. O cacto morreu, mas não chegou ao fim. Ele se junta a outras coisas e se torna algo novo”, explica, Ramonn.
A peça, vale ressaltar, mesmo que resulte em algo novo no acervo do artista, surge de algo fundamental no seu trajeto como pintor. “O trabalho foi formado com a tinta seca que comecei a juntar do meu ateliê. Mesmo sendo um objeto, a base continua sendo algo que vem das pinturas” conta.
Além de Bloom, a exposição traz obras de dimensões maiores como SATVRNVS e Uma Flor Especial a Ser Cultivada – todas concebidas através do mesmo processo criativo.
Outra novidade é o trabalho com gravuras, criadas através de impressões a jato de tinta sobre papel alumínio. Um suporte incapaz de absorver a matéria, sendo necessário transferi-la para outro corpo. Algo efêmero e transitório, sempre presentes nas obras de Ramonn.
O título da exposição talvez não traduza isso de cara, mas nunca teve essa intenção. O nome Um Lugar Calmo Para Minhas Certezas surge justamente dessa ironia. “A frase é muito contraditória. Ela parece inferir certeza, mas quando você observa as obras não é bem assim”, conta Ramonn, que chegou a esse nome, junto a Ton, através dos trabalhos da pintora paulista Vânia Mignone, de quem o artista recebeu várias influências.