Pernambucano, ainda menino Claudemir Barros precisou ajudar a mãe na lida com a cozinha para a alimentação da família – o que incluía cuidados com as roças de milho, macaxeira, coco e maracujá. Trabalhou em cozinhas do Exército, restaurantes populares, estudou no Senac e marcou época no classudo Wiella Bistrô, onde atuou por mais de dez anos, afiando prática e conhecimentos em alta gastronomia. Hoje chef do Ça Va, em sua trajetória, Claudemir vem se filiado a um movimento de chefs, como o brasileiro Alex Atala e o peruano Gaston Acúrio, que enxergam a comida não apenas como alimento e prazer. É também identidade. Suas histórias e visão sobre o universo da mesa podem ser melhor conhecidas a partir de hoje, com o lançamento de Sonhos e Sabores, incentivado pelo Funcultura, seu primeiro livro, escrito em parceria com a jornalista Erika Valença.
No livro, como era de se esperar, Claudemir publica o receituário que faz mais parte de sua gramática. Nesse contexto em que os ingredientes, tanto quanto alimentar, servem para simbolizar, o chef tem construído, de forma impecável, uma série de receitas em que as técnicas clássicas da alta gastronomia não são usadas apenas para consagrar os ingredientes de sempre. Além disso, servem para potencializar sabores insuspeitos em insumos e artigos vedados, antes, por franco preconceito e colonialismo, na chamada alta cozinha. Ou seja, uma gastronomia de terroir.
Assim, por exemplo, o chef usa polpa de caju para fazer um chambaril (ou ossobuco, como queiram) vegetariano, ensina o preparo de tatu à pururuca, tatu assado enterrado (uma receita sertaneja, feita à moda dos preparos ancestrais latinos), rolinha asada com arroz vermelho ou bochecha de boi com miolo de um cacto chamado facheiro, que ele chama de palmito do sertão. Embora seja exímio nos clássicos, o livro, nesse aspecto, não conta, nem contaria, com receitas clássicas da escola francesa.
Não é, portanto, apenas um livro de reforço da tradição. Não contém, etnograficamente, um compêndio de fórmulas das várias camadas culturais do Nordeste ameaçadas pela globalização. Mas um livro de alta gastronomia autoral inspirada nas possibilidades dos terroirs do Agreste e do Sertão visitados pelo chef em projetos pessoais de pesquisa e incentivo a pequenos produtores.
Além de ensaísta que procura endossar a relação entre a gastronomia e a identidade cultural, Claudemir Barros faz também uma síntese de sua trajetória pessoal. Desde seu começo nas panelas, há 25 anos, em casa, com a mãe, a cozinheira Anita Chagas que por 17 anos capitaneou a cozinha do centenário Restaurante Leite, no Centro do Recife. “Foi com a filosofia de que vem da terra o bem mais precioso que podemos ter, que o chef Claudemir Barros embarcou numa viagem, além das estradas, feita através de sabores, costumes, tradições e muito sonho. Nessas andanças, mergulhou na realidade do interiorano, principalmente do sertanejo, e trouxe algo a mais para o conceito do que vem a ser a gastronomia contemporânea. Foi um mergulho nas raízes, nas etnias e, principalmente, na essência humana”, escreve a pesquisadora Maria Lectícia Cavalcanti.
Sonhos & sabores, de Claudemir Barros. R$ 75. Lançamento, hoje, 19h30, no restaurante Bottega Bastardi, Avenida Conselheiro Aguiar, 323, Pina.