Sangue azul é o Amarcord pernambucano de Lírio Ferreira

Cineasta apresentou seu novo longa no Paulínia Film Festival e saiu com prêmios de Melhor Fotografia e Figurino
Do JC Online
Publicado em 28/07/2014 às 10:55
Cineasta apresentou seu novo longa no Paulínia Film Festival e saiu com prêmios de Melhor Fotografia e Figurino Foto: Mário Miranda Filho


Ernesto Barros

ebarros@jc.combr

 

PAULÍNIA -  O cineastas pernambucano Lírio Ferreira, 49 anos, apresentou Sangue azul, seu novo longa-metragem, no Paulínia Film Festival, do qual saiu com dois troféus Menina de Ouro: Melhor Fotografia (Mauro Pinheiro Jr) e Figurino (Juliana Prhyston). Filmado em Fernando de Noronha, o filme segue o reencontro entre um homem-bala Zolah (ou Pedro ) e sua irmã, a mergulhadora Raquel, que foram separados na infância pela mãe. Grande sucesso no festival, o filme se destacou pela trama inusitada, as belas paisagens da ilha e um forte componente sexual. Nesta entrevista, Líria fala do estado das relações amorosas no mundo contemporâno e da caretice do cinema atual.

 JORNAL DO COMMERCIO – Sangue azul remete tanto a cor do mar quanto aos membros da realeza. No filme, os personagens Raquel e Pedro são separados desde cedo em função de um medo ancestral de que irmãos não podem se amar. Como você chegou a essa história?

 LÍRIO FERREIRA – Acho que há uma corrente do cinema contemporâneo que aponta a impossibilidade do amor. Você encontra isso no cinema pernambucano, por exemplo, em Era uma vez eu, Verônicca, de Marcelo Gomes, e nos filmes do chinês Wong Kar-Wai. E isso era uma coisa que também me atormentava. Na realeza, as pessoas de uma mesma família se casavam para não passar o poder. Só que em certas ilhas, principalmente as mais remotas, isso acontece muito, como em  Fernando Noronha, onde primos se casam com primas. E o circo também tem muito disso, porque o  circo é uma ilha que se move. Também aqui, as famílias são constituídas de maneira parecida e os circos levam nomes como Orfei e Garcia, por exemplo. Ao mesmo tempo, o grande sangue azul é o mar e Yemanjá. Mas, para mim, o cúmulo da incapacidade de amar seria a relação entre dois irmãos. Sangue azul nasceu da perspectiva entre a mitologia e macumba.

 JC – Como se deu o seu conhecimento da vivência numa ilha e no mundo do circo?

LÍRIO – Dentro de uma perspeciva geográfica, nasceu da minha experiência de nascer e viver no Recife. Vários bairros da cidade são ilhas, como o Recife Antigo, a Ilha do Retiro e a Ilha do Leite, onde eu moro. O que retrato no filme é o que vi nos espetáculos dos circos Orlando Orfei, Garcia e Nerino. E o que me marcou foram os números que não requeriam tanta habilidade, como os trapezistas. O personagem principal do filme, que faz parte do circo Netuno, é um homem-bala – um número de coragem, e não de habilidade. Ele entra no canhão e é catapultado. Isso faz parte dos circos da minha infância. Eu lembro do homem-bala passando de um lado para o outro na minha frente. Antes de olhar para o futuro, eu sempre gosto de dar dois passos para o passado. Talvez o circo seja o meu Amarcord pernambucano.

 

JC – A primeira sequência de Sangue azul, em que os membros do circo levantam a lona, é embalado por uma melodia digna dos filmes de Fellini.

LÍRIO –  Tem uma homenagem direta a Fellini por meio do personagem Inox, vivido por Milhem Cortaz, que parece ter saído de A estrada da vida. Trata-se de um filme circense com Anthony Quinn e Giulietta Masina. O circo entra no filme como uma metáfora do cinema, que faz parte da minha maneira de pensar e que talvez não exista mais. Seria óbvio fazer um filme sobre o cinema. Pegar um circo, que pode não existir no futuro, foi a minha maneira de falar do cinema.

 JC – Sangue azul está bastante conectado com Árido movie, seu penúltimo filme de ficção. Há um estrutura semelhante e o tema de um personagem que retorna para seu lugar de origem.

LÍRIO – Talvez eu esteja fazendo sempre o mesmo filme, mas de maneira diferente. Eu faço cinema porque tenho muitas dúvidas. Por exemplo, eu jamais faria um documentário como os de Michael Moore. O que me interessa é que o filme suscite debates e as mais diversas leituras, e que eu também saia aprendendo. Como faço tudo muito intuitivo, às vezes as respostas que recebo fazem parte dessa provocação. Isso é mais interessante do que ter que certezas. Eu gosto mais de fazer perguntas do que respondê-las. Eu me sentiria melhor no seu lugar, por exemplo. Você sabe, estudei jornalismo.

 

JC – Ao contrário de muitos filmes recentes, inclusive os brasileiros, Sangue azul tem um lado sexual muito forte. Como você analisa isso?

LÍRIO – Talvez boa parte do cinema contemporâneo tenha uma certa caretice mesmo, essa coisa do politicamente correto. Quando eu convidei a designer Carla Sarmento para fazer o cartaz, ela disse que queria fazer algo parecido com as artes dos anos 1970, tipo Blaxplotation. Então, o cartaz tem cenas do fundo do mar e de Daniel Oliveria, o personagem do filme, fazendo sexo. Pense bem, qual o cartaz de filme brasileiro tem cenas de sexo hoje? É, o filme tem várias cenas sexo, entre homem e mulher, homem com homem, ménage à trois, uma verdadeira suruba.  Não sei ao certo, mas talvez isso tenha a ver com essa imposibilidade de amar, um certo desequilíbrio com o sexo.

 JC – O filme traz vários atores conhecidos, mas um dos principais destaques é a desconhecida atriz cubana Laura Ramos, que faz uma rumbeira. Como você a conheceu?

LÍRIO – Passou uma menina na minha frente eu olho!!! Há 14 anos, eu estava no Festival de Gramado e passou aquela cubana linda. Eu deixei de ver um filme e fiquei completamente apaixonado. Só que se passaram 12 anos para a gente trabalhar junto. Quando teve essa coisa do circo, da rumbeira, pensei nas mulheres voluptuosas da minha infância, que não têm nada a ver com as mulheres magrinhas de hoje, com seios generosos e coxas largas. Para mim, as mulheres dos circos eram as mais bonitas do mundo. Além de todos esses atributos físicos e de ser uma atriz maravilhosa, Laura é cubana e tem o sotaque. Como ela também vem de uma ilha, esse complemento foi perfeito até para o noma dela no filme, Teorema! O filme tem aquelas coisas descosturadas que, olhadas com carinho, tem uma certa costura. Ela é a personagem que tem a maior certeza sobre o amor em todo o filme.

 JC – Recentemente, houve muita polêmica com o filme Praia do futuro por causa das cenas de sexo entre Wagner Moura e um ator alemão. Você teme que possa acontecer o mesmo com Sangue azul, já que o personagem de de Milhem Cortaz, também um policial em Tropa de elite, é visto sendo sodomizado por um ilhéu (o ator Rômulo Braga)?

LÍRIO – O homossexualismo no cinema brasileiro é permitido até certo ponto. No segundo Tropa de elite, Iranhdir Santos faz um cara dos direitos direiros. Por isso, em Tatuagem, ele pode ser gay em cenas lindas e fortíssimas, até mais  do que as de Praia do futuro. Mas os caras que fizeram o Capitão Nascimento (Wagner Moura) e o Capitão Fábio (Milhem Cortaz), dois policiais, são proibidos de dar. Há um falso moralismo absurdo nisso. Eu não vi ninguém reclamar das cenas de sexo gay de Tatuagem.

 

 

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