Pouco dias após o golpe contra Salvador Allende, em 1973, a polícia chilena, a mando do general Augusto Pinochet, entrou na casa do poeta Pablo Neruda para fazer uma revista. Queriam algum indício de que o escritor era perigoso e tinha planos de resistir à ditadura que se instalava. Procuravam uma arma, mas não encontraram. Antes dos policiais saírem, o poeta, já doente (morreu 12 dias depois da queda de Allende), os chamou e disse: “Olhem em todos os lugares, a única coisa perigosa que encontrão para vocês é a poesia.”
Uma das mais famosas figuras literárias do nosso continente, o autor é o personagem do filme Neruda, ficção do diretor chileno Manuel Basoalto. Na trama, que estreia nesta quinta (9/7) no Brasil, ele mostra o poeta recordando, no seu discurso de recebimento do Prêmio Nobel, em 1971, a viagem para fugir do Chile depois que o então presidente do país, Gabriel González Videla, proibiu o comunismo no país e ordenou sua prisão. Perseguido, Neruda precisou viver na clandestinidade e rumou pelo sul do Chile, tentando cruzar a fronteira com a Argentina a cavalo. Pela região, reviveu sua formação poética e os cenários deslumbrantes da sua infância enquanto escrevia um dos seus versos mais famosos, o Canto Geral.
“Esse é um período muito importante da vida de Neruda, mas que é pouco conhecido mesmo pelos chilenos”, conta Manuel, sobrinho-neto do autor que também dirigiu documentários sobre o poeta. A ideia de criar a ficção biográfica veio depois de fazer um programa para a TV sobre o período. Munido já dos depoimentos e dados, o cineasta começou a trabalhar nos roteiros.
“Neruda morreu há 40 anos, e esse é só o segundo filme ficcional sobre Neruda (o primeiro é O Carteiro e o Poeta, de Michael Radford). Soava escandaloso pensar que não havia nenhuma película chilena falando da vida dele. Os documentários são importantes, mas têm outro tom. Um filme de ficção dialoga mais, pode circular o mundo”, ressalta o diretor, que já levou o filme ao México, Estados Unidos e China.
Para ele, o momento retrata bem Neruda: tem sua atuação política, suas lembranças de infância e sua criação poética – fugindo do Chile com sua máquina de escrever na bagagem, ele vai cantando a natureza e o povo chileno. “Neruda fez parte da geração de intelectuais que acreditavam que os grandes sonhos eram possíveis. A literatura era um instrumento de mudança social. Ele acreditava no poder da palavra”, aponta Manuel.
Apesar do desejo dos produtores, que queriam ver Neruda vivido por um ator espanhol, francês ou americano famoso, ele optou por um chileno, José Secall. “Eu já trabalhei muito com ele, sempre pensei nele para o papel de Neruda. Eu queria um ator chileno e ele parecia a única pessoa aqui que seria um excelente Neruda. A única preocupação foi em reconstruir a forma de falar do poeta”, revela.
Ele ainda lembra a relação especial de Neruda – os 111 anos do nascimento do poeta se completam neste sábado (11/7) – com o Brasil. “Ele foi amigo de Thiago de Mello, Jorge Amado e Vinicius de Moraes. Creio que estaria muito feliz de ver o filme aqui, sendo visto tanto no cinema como em sessões especiais em favelas e prisões femininas”, comenta Manuel.