Dos edifícios caixões do bairro de Jardim Atlântico, em Olinda, para a Semana da Crítica, uma mostra paralela realizada pelo Festival de Cannes. Este será o trajeto do curta-metragem pernambucano O Delírio é a Redenção dos Aflitos, obra de estreia do jornalista e mestre em comunicação Fellipe Fernandes.
Morador do bairro olindense por 25 anos, Fellipe procurou reproduzir em seu roteiro a realidade de quem vive nesse tipo de habitação através da história de Raquel, a última moradora de um prédio-caixão condenado por risco de desabamento. A atriz Nash Laila, que tem em seu currículo passagens nos filmes pernambucanos Deserto Feliz, Amor Plástico e Barulho e Tatuagem, vive essa personagem.
“Estamos muito felizes de levar a nossa história para uma janela tão grande como é esse festival em Cannes”, comemora o realizador Fellipe Fernandes, que recebeu a notícia há duas semanas via e-mail pela organização do evento. O curta, aprovado pelo Funcultura em 2014, teve que se adequar ao baixo orçamento do incentivo, mas proporcionou uma grande união da equipe, que comemora a indicação: “Foi um filme feito num processo muito colaborativo. Estar entre amigos fez com que superássemos as dificuldades e trabalhamos com muita dedicação”, ressalta Fernandes.
A união da equipe de O Delírio... veio desde as filmagens do longa Aquarius, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, que na semana passada também foi anunciado na mostra principal do Festival de Cannes. “Nós terminamos a gravação do filme do Kleber em setembro do ano passado e logo começamos a falar do curta”, relembra Fellipe. Entre reuniões e pré-produção, a equipe gravou todo o filme em apenas uma semana do mês de dezembro. “Trabalhamos das nove da manhã até às onze da noite durante sete dias seguidos. Mas toda a equipe estava empolgada e disposta a fazer um bom trabalho”, diz o diretor.
No elenco de O Delírio... além de Nash, está Melissa Fernandes, Amanda Gabriel, Everton Gomes, Maita Melo e Thassia Cavalcanti. Thales Junqueira assina a arte, com fotografia de Gustavo Pessoa e desenho de som e mixagem de Nicolau Domingues.
Para a produtora Dora Amorim, o diferencial do filme é mostrar o ambiente de Olinda nas telonas: “Desde o prédio
até as pequenas ruas em que gravamos, o filme é praticamente todo olindense, e isso é pouco mostrado nos filmes locais”, ressalta Dora, que também reitera a colaboração de toda uma equipe para que o curta fosse bem executado: “Aliar um projeto dessa proporção a um orçamento limitado foi desafiador, mas foi bom para que a equipe se motivasse a colaborar mais. E essa nomeação em Cannes é o resultado muito positivo de nosso esforço”, avalia Amorim.
O Delírio é a Redenção dos Aflitos teve uma equipe modesta, de pouco mais de 20 pessoas. O curta está em processo de finalização, já que a versão inscrita na Semana de Crítica foi apenas a primeira montagem. Dora e Fellipe irão a Cannes, junto com outros integrantes da equipe. Eles também prometem encontrar a comitiva de Kleber Mendonça, que estará prestigiando a exibição de Aquarius.
Uma outra característica que une o diretor e a produtora de O Delírio... é a paixão precoce que nutrem pelo fazer
cinematográfico. Ambos foram estagiários do Caderno C, do Jornal do Commercio, sempre escrevendo sobre o tema: Fellipe entre 2008 e 2009, Dora atuando entre os anos de 2011 e 2012. “Meu primeiro contato com Kleber [Mendonça Filho] foi quando estive no JC. Tempos depois comecei a trabalhar em alguns filmes dele. Em Aquarius, fui assistente de direção e foi muito gratificante”, afirma Fernandes.
A estreia de O Delírio é a Redenção dos Aflitos na 55ª Semana de Crítica do Festival de Cannes está programado
para ocorrer entre os dias 12 e 20 de maio, em uma data a ser definida pela academia francesa. O curta pernambucano é o representante brasileiro que se junta a outros filmes nacionais desse formato exibidos em edições anteriores desta mostra como: Command Action (2015), de João Paulo Miranda, Pátio (2013), de Aly Muritiba, Areia (2008), de Caetano Gotardo, e Um ramo (2007), de Juliana Rojas e Marco Dutra. O filme estará competindo com produções de Taiwan, Portugal, França, Grécia, Canadá, Indonésia e Hungria.
Para o diretor, mais que realizar seu primeiro curta e apresentá-lo na principal vitrine cinematográfica do mundo,
Fellipe Fernandes enxerga em O Delírio... a oportunidade de discutir sobre assuntos urgentes da nossa sociedade: “O filme fala de uma narrativa dos excluídos, que se submetem aos caprichos de uma parcela da sociedade que tenta ocupar espaços de forma desordenada. E, principalmente, fala de resistência. De seguir em frente diante das dificuldades que surgem no nosso cotidiano. Ainda mais agora na situação caótica que o país está vivendo, onde resistir parece ser a única saída”, finaliza Fellipe.