A beleza do céu ensolarado de Nápoles contrasta com a austeridade das construções e roupas de uma cidade pós-guerra no primeiro episódio da série My Brilliant Friend (HBO). Momentos de silêncio, nos quais a comunicação se dá apenas por trocas de olhares, também se alternam com sequências de brigas estrondosas entre vizinhos. Pelo olhar de uma menina, o espectador conhece a escola, o pátio sombreado entre os pequenos edifícios e o interior de alguns apartamentos nos quais se desenvolve a história contada na produção inspirada no primeiro livro da tetralogia napolitana de Elena Ferrante.
A própria autora, que assina a obra sob pseudônimo, faz parte da equipe de roteiristas desta adaptação. Somada a esta presença, a escolha de manter o italiano como idioma da série é uma das características que fazem com que o primeiro episódio, intitulado The Dolls, seja um mergulho no universo que teve início com o livro A Amiga Genial (2011). Destaque também para a composição do elenco. Ambas estreantes, Elisa Del Genio e Ludovica Nasti estão muito bem como Elena Greco e Rafaella Cerullo ou, como conhecem os leitores do best-seller, Lenu e Lila.
Os rostos dela expressam o principal de cada personagem. A primeira, mantida como narradora da história na série, se aproxima um tanto fascinada de Lila, a menina impetuosa o suficiente para enfrentar os meninos mais velhos, as regras dos adultos e também a nova amiga dela. Quando ela desafia Lenu ("Você não tem coragem", diz, encarando a vizinha e colega de classe), a conexão entre elas se oficializa e, a essa altura, o espectador/leitor já imagina que há riscos envolvidos neste encontro de personalidades.
Com direção de Saverio Costanzo, do filme Corações Famintos (2014), a câmera passeia pelos ambientes e revela também os lugares invisíveis aos olhos: aqueles que se desenham pela hierarquia imposta pelo violento agiota Dom Achille Carracci, os que representam os papéis comumente destinados a homens/mulheres e meninos/meninas ou ainda a rede de comunicação entre as sacadas dos apartamentos.
É bem complicado adaptar uma obra literária em minissérie. Os livros renascem na mente de cada leitor e fatalmente ele sentirá falta de algo quando uma versão da história chegar à TV ou ao cinema, condensada e com características diferentes das que tinha na imaginação dele.
Mas acredito que o principal tenha sobrevivido à mudança do papel para o audiovisual. Lenu retorna a momentos vividos na década de 1950, depois que a amiga desaparece, para falar sobre o início da trajetória que ela partilha com Lila. Como toda narração, a dela é cheia de subjetividades e parece que estamos diante de alguém folheando um álbum de fotografias enquanto revisita a própria história.
Os primeiros episódios de My Brilliant Friend, que foram ao ar pela HBO no domingo (25/11) e na segunda-feira (26/11), estão disponíveis para assinantes da HBO Go. A série continuará sendo exibida neste esquema, às 22h (horário de Brasília), até que o final seja mostrado no dia 17 de dezembro.
Como Big Little Lies (HBO), baseada no best-seller de Liane Moriarty, também foi lançada como minissérie e acabou ganhando uma segunda temporada, não seria surpresa se o mesmo ocorresse com a produção inspirada no livro A Amiga Genial. Ainda mais pelo fato de que, neste caso, há os outros três livros da tetralogia italiana para serem usados como referência - História do Novo Sobrenome (2012), História de Quem Vai e de Quem Fica (2013) e História da Menina Perdida (2014).
A série My Brilliant Friend é uma produção da HBO-RAI Fiction, Timvision e Wildside-Fandango, em coprodução com a Umedia. Os produtores executivos são Paolo Sorrentino e Jennifer Schuur e os roteiros foram escritos por Elena Ferrante, Francesco Piccolo, Laura Paolucci e Saverio Costanzo.
Com obras que fizeram muito sucesso nos últimos anos, Elena responde a entrevistas por e-mail, tendo como mediador dos contatos o editor italiano Sandro Ferri. A identidade da pessoa que adotou o pseudônimo é alvo de diversas especulações e, em 2016, um texto escrito pelo jornalista italiano Claudio Gatti reavivou os questionamentos provocando um debate, pois ele baseou-se em informações bancárias e imobiliárias para fazer a afirmação.
Algumas pessoas criticaram o modo como a investigação foi feita, afirmando que se tratava de uma invasão à privacidade. Como nenhuma das partes envolvidas confirmou o que havia no texto, nem o editor italiano Sandro Ferri, a identidade de Elena Ferrante segue oficialmente indefinida.