Felipe Neto: 'Eu não quero eleger ninguém'

Em entrevista exclusiva ao JC, o youtuber de 31 anos fala sobre vida pessoal, carreira e política

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Em entrevista exclusiva ao JC, o youtuber de 31 anos fala sobre vida pessoal, carreira e política - FOTO: Foto: Divulgação

Em 2010, “não fazia sentido” que um youtuber batesse de frente com a política e o governo atual. Mas estamos em 2019 e, como as coisas mudam, agora testemunhamos a ascensão do carioca Felipe Neto. Aos 31 anos, ele é notícia no Brasil e no mundo ao enfrentar a direita conservadora do País. Em entrevista exclusiva ao JC, é possível perceber que ele é mais que um produtor de conteúdo infantojuvenil no YouTube, mas um jovem decidido a lutar, com suas armas, por um País mais justo e com menos preconceito.

ENTREVISTA // FELIPE NETO

JORNAL DO COMMERCIO – Felipe, quem era o menino que resolveu se expressar através de uma câmera, num canal de youtube, em meados de 2010?
FELIPE NETO – Um garoto criado com raízes reacionárias, dentro da Igreja Católica tradicional, que enxergava a homossexualidade como algo errado e achava que o mundo tinha muito “mimimi”. Naquela época, eu já dava indícios de interesse por assuntos ligados a sociologia e filosofia, mas estava apenas começando.

JC – Vlogger, youtuber, digital influencer, influenciador social... Em qual “rótulo virtual” você se “encaixa mais” e porquê?
FELIPE NETO – Sob o ponto de vista profissional, eu sou um criador de conteúdo de entretenimento e empresário. Isso resulta em influência, em ser um youtuber, até mesmo um vlogger, mas essas denominações podem ser passageiras. Os veículos podem mudar, os formatos podem mudar, o que nunca mudará é o fato de que crio conteúdo e negócios.

JC – Ao longo de quase 10 anos na web, você mudou bastante: seja fisicamente, de “cor de cabelo”, até mesmo de postura e conteúdo de seus vídeos. Estas mudanças refletem o teu amadurecimento enquanto pessoa ou estratégias para angariar mais e/ou conquistar novos públicos?
FELIPE NETO – É preciso separar as duas coisas. Quando se trata de evolução pessoal, como luta contra o preconceito, contra a censura, realização de obras sociais, investimento em projetos de amparo, até mesmo o vegetarianismo, tudo isso vem do amadurecimento e vontade de fazer do mundo um lugar melhor. Já quando vamos para campos como cabelos coloridos, temas de vídeos divertidos ou coisas do gênero, aí tudo faz parte de uma construção de conteúdo voltado para agradar ao público.

JC – Os jovens e adolescentes desta geração Z te ouvem muito. O quanto você se sente responsável em dialogar com eles?
FELIPE NETO – Eu sinto que tenho uma função principal: a de não atrapalhar a educação dos jovens. Esse é o primeiro objetivo. Cuidar do conteúdo para que ele não possa ser interpretado por uma mente mais jovem como algo que influencie seu comportamento para práticas nocivas. Depois disso, tento levar mensagens positivas e encaixar recados importantes de cidadania, diversidade e amor dentro do conteúdo de humor do meu canal.

JC – Além de youtuber, você também é ator. O Felipe Neto que vemos atualmente é uma pessoa física ou um personagem criado?
FELIPE NETO – O “Felipe Neto” sempre será um apresentador, uma pessoa de performance, um criador de conteúdo. Contudo, em alguns lugares eu sou apenas o “Felipe”, principalmente no Twitter. Aí sim as pessoas podem ver quem eu sou sem estar criando, pensando em engajamento ou em diversão.

JC – Você tem se destacado recentemente, para além do conteúdo que consolidou a sua carreira, por seus posicionamentos políticos. Como a sua influência pode impactar no cenário político brasileiro?
FELIPE NETO – Eu não penso nisso. Eu não quero eleger ninguém e nem quero parecer que tenho todas as respostas. Eu luto por democracia, liberdade e amor. Isso é o que importa pra mim.

JC – Seus vídeos e tuítes de teor político tem virado notícia no Brasil e no mundo. Como isso tem impactado a tua vida nos últimos dias?
FELIPE NETO – A campanha por parte de políticos de extrema-direita em me difamar e destruir minha reputação tem sido cruel e desumana. São milhares de posts em grupos de Whatsapp e Facebook todos os dias, conteúdo com todo tipo de absurdo a meu respeito. Isso tem sido bastante difícil de lidar, mas estou cercado por pessoas que me amam muito e querem sempre o meu bem. E eu sei que vou vencer. Como disse Mário Quintana: “Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho / Eles passarão... Eu passarinho!”.

JC – Atualmente, a imprensa tem te dado vários rótulos: “soldado de peso contra bolsonaristas”, “novo líder político brasileiro”, “iluminista” e, fora do País, “novo herói dos gays”. Até que ponto você aceita essas definições?
FELIPE – As pessoas gostam de dar nomes, eu continuarei sendo apenas o Felipe. Quero poder dar voz a quem não tem e continuar compartilhando o amor e lutando contra a censura e a opressão.

JC – Como para toda ação há uma reação, você tem sido constantemente atacado nas redes sociais com hashds_matia_palvr negativas e fake news. Com que armas você tem lutado contra esses ataques e o que você diria aos haters?
FELIPE NETO – Eu tenho uma equipe jurídica sensacional monitorando tudo. Além disso, tenho 34 milhões de fãs que de fato sabem quem eu sou e não se deixam enganar por fakenews. Eles espalham a verdade diariamente e me defendem nos grupos de WhatsApp e Facebook. E eles sempre levam a mesma mensagem: “assista aos vídeos do Felipe por uma semana, depois disso diga se considera alguma coisa imprópria”. Todo mundo que topa o desafio, acaba gostando do canal.

JC – Ao mesmo tempo, você também tem recebido muito apoio. Seja dos seus fãs, de anônimos e até mesmo de famosos como Caetano Veloso e Jean Wyllys. É sinal de que você está no caminho certo?
FELIPE NETO – Você sabe que está no caminho certo quando tem ao seu lado Paulo Coelho, Caetano Veloso, Ciro Gomes, Marcelo Adnet e até a Patricia Arquette, enquanto o outro lado tem Bolsonaro, Silas Malafaia, Feliciano, Olavo de Carvalho e um monte de lunáticos que rejeitam a ciência e defendem uma teocracia.

JC – Você já declarou ter repetido clichês homofóbicos, machistas, transfóbicos e elitistas em seus vídeos. Olhando para trás, o que mais você se arrepende de ter feito?
FELIPE NETO – Eu não me arrependo de nada, porque se eu não tivesse cometido tais erros, talvez nunca os tivesse corrigido, nunca tivesse recebido alertas que me fizeram abrir os olhos e pesquisar, ouvir, ler. Agora, sem dúvida, o que eu fiz que mais causou mal foram os comentários homofóbicos e transfóbicos em 2010.

JC – Você também tem cobrado posicionamento de outros influencers. Na sua visão, é impossível que alguém com tamanha responsabilidade não se posicione politicamente?
FELIPE NETO – Até 2018 eu defendia que ninguém tinha obrigação de se posicionar, mas 2019 mudou isso. Estamos vivendo diariamente um risco de implementação de uma teocracia doentia e opressora. Eles querem tirar nossos direitos de livre expressão, livre manifestação e livre amor, só precisam de uma oportunidade pra isso. Não lutar contra a opressão, nesse momento de 2019, é ser conivente.

JC – Como você acha que vai evoluir o cenário (e mercado) dos influencers digitais?
FELIPE NETO – Essa é uma pergunta que dá para responder em um livro. O cenário tem milhões de nuances e possibilidades. O que posso dizer, resumidamente, é que o mercado hoje tende para o fortalecimento cada vez maior dos nichos, ao invés dos grandes influenciadores que atingem dezenas de milhões de pessoas. Dentro dos nichos, tenderá a crescer mais e se estabelecer aqueles que entenderem as plataformas, ficarem viciados em estudos de tendências, gráficos e análises em geral, e de fato se dedicarem dia e noite.

JC – Como você avalia o fenômeno de mídia o evento que você promoveu na Bienal do Rio?
FELIPE NETO – Eu não esperava. A ideia era apenas vencer a censura, distribuindo os livros que seriam censurados, de graça. Nós vencemos aquela batalha, mas a luta continua.

JC – Direita, esquerda, centro: qual o posicionamento político de Felipe Neto hoje? Você considera que de 2010 para cá você teve uma mudança ideológica? E é por essa mudança que você não pensa em carreira política?
FELIPE NETO – Esse debate se tornou distorcido no Brasil. Ao dizer que é de direita, a pessoa é vista por muita gente como reacionário ou conservador. Ao dizer que é de esquerda, se torna petista ou comunista. Não há mais debate, diálogo, tudo pela falta de educação política no país. Eu tenho identificação com pautas sociais de esquerda, mas também me identifico com pautas econômicas de direita. A minha luta é pelo bom-senso, liberdade e democracia.

JC – Se por acaso você só pudesse gravar mais um vídeo, que recado urgente e final você daria?
FELIPE NETO – Leiam mais. Se você já é um leitor, por favor, leia livros que contradizem o que você acredita. Se você nunca leu, por favor, comece. O mundo precisa de mais leitura.

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