Em uma de suas mais famosas frases, a autora francesa Marguerite Duras (1914-1996) afirmou que os escritores são “países estrangeiros”. Poucos nomes, no entanto, cabem nessa definição tão bem quanto a própria Marguerite – garota criada na antiga Indochina, romancista impactante, militante feminista e comunista. Muito mais do que o exotismo, a escritora trouxe para a sua literatura as memórias e sensações da própria vida, em uma equação que junta uma ficção poderosa com uma capacidade confessional surpreendente.
Mais famosa pelo clássico O amante, um dos seus textos mais autobiográficos, escrito já aos 70 anos, Marguerite é homenageada no evento Descobrindo Marguerite Duras, na Aliança Francesa, que tem início hoje. Essa oportunidade de conhecer o país estrangeiro que é a autora vai contar com uma peça exclusiva, cardápio especial, feira e debates.
Criada na região que hoje é o Vietnã, a autora ficou órfã de pai aos quatro anos e viu a mãe enfrentar dificuldades financeiras para sustentar os três filhos. Essa juventude é tratada com maestria no romance O amante (1984), em que ela conta a história de quando tinha 15 anos e seduziu um jovem rico chinês. A obra revela de maneira inusitada tanto o desejo – e não o amor – feminino como a relação contraditória dela com a mãe e o irmão mais velho. Apesar de todo esse fundo biográfico, logo no início da trama, Marguerite afirma: “A história da minha vida não existe. Ela não existe. Nunca há um centro. Nem caminho, nem linha.”
Mesmo considerada um grandes nomes da literatura francesa do século 20, a autora circulou pouco fora dos meios literários no Brasil nas últimas décadas. O amante, que venceu o Prêmio Goncourt, o principal da França, foi um polêmico best-seller lá. Aqui, ainda que com edições recentes pela Cosac Naify, todas as suas obras estão esgotadas nas livrarias – só em sebos é possível encontrar títulos como A dor, O verão de 80 e Olhos azuis, cabelos pretos, entre outros. Sinal de que, se existe pouca atenção editorial a sua obra no País, há uma série de leitores interessados nos exemplares que ainda circulam.
Além de escritora, Marguerite também teve uma participação importante no teatro e no cinema – ela não só dirigiu 19 filmes como fez o roteiro do clássico Hiroshima mon amour (1959). É na sua prosa, no entanto, que se tem a revelação sincera e duvidosa da sua vida única – às vezes com uma imensa crueldade consigo mesmo. Ela mesmo diz, em O amante: “Nunca escrevi, e pensei que escrevia, nunca amei, e pensei que amava, nunca fiz nada a não ser esperar diante da porta fechada.”
Leia mais no Jornal do Commercio desta quarta (5/11).