Miró da Muribeca não encontraria Deus em uma montanha, não veria uma luz no céu com uma voz cavernosa e formal. Para falar com a divindade, o poeta recifense parece sentar em uma mesa de bar para dizer suas verdades sem rodeios. Seu Deus pega ônibus e brinca Carnaval: é um Deus que cria, mas mergulhado no próprio caos. “Deus insiste/pra eu acreditar nele”, percebe.
Seu novo livro, aDeus, é lançado esta quinta-feira (6/8), às 19h, no Bar Teatro Mamulengo, pela Mariposa Cartonera. No volume é possível ver um Miró reflexivo perante a morte e o sentido do mundo, ainda que siga longe de se tornar um poeta filosófico, fascinado pelo abstrato. O mundo, a cidade e a dor humana estão lá, como cicatrizes que são o mote para o diálogo poético.
Ressaltar a força oral da poesia de Miró sempre foi uma forma de esquecer como são fortes seus versos. Em aDeus, talvez mais preocupado com a solidão em que estava na Muribeca (“Muribeca deserta/não tenho com quem/trocar uma palavra/ tá todo mundo vendo/Vale a pena ver de novo”), com a morte que veria passar a sua frente, mais tarde, quando desmaiou sozinho e foi internado no Hospital Osvaldo Cruz, o autor está mais tocante do que nunca. Dor, humor, provocação e lirismo estão todos lado a lado. A obra de Miró sempre foi um grito para vermos mais o que a cidade e o que as vidas anônimas escondem. Felizmente, o volume mostra que o poeta da Muribeca ainda tem muito a nos dizer: “No princípio/não havia nada/ hoje também”.