História da Livraria Lello parece ser tocada por feitiço

Ex-proprietário do estabelecimento ganhou na loteria e foi primeiro editor de Eça de Queiroz
Alvaro Filho
Publicado em 04/03/2017 às 5:05
Ex-proprietário do estabelecimento ganhou na loteria e foi primeiro editor de Eça de Queiroz Foto: Foto: Líbia Florentino/Especial para o JC


A figura de Harry Potter acabou ofuscando uma das personagens mais curiosas por trás da história da Livraria Lello, incluindo aí os fundadores, os irmãos António e José. Nascido na França em 1840, Ernest Chardron se estabeleceu no Porto como caixeiro da livraria Moré. Até quem em 1869 ganhou na loteria e de empregado passou a patrão. A sorte grande fez com que outros tentassem enriquecer do dia para a noite e, recentemente, foram encontrados dezenas de bilhetes lotéricos escondidos sob as estantes de madeira do local.

Segundo o gerente de comunicação da casa, Manuel de Souza, não se sabe ao certo quando, nem quem resolveu colar os bilhetes sob as estantes da Lello. “Provavelmente, tratavam-se de um ou mais clientes assíduos ou de funcionários”, especula. Os talões, descobertos por acaso, durante uma reforma, foram cobertos por uma lâmina de vidro e em breve devem fazer parte do acervo de um museu que será construído num espaço no subsolo da livraria. Quem tiver a curiosidade – ou superstição – basta procurar entre as prateleiras no fundo da casa, do lado esquerdo do piso térreo.

A sorte não se traduziu em vida longa a Chardron. Em 1885, aos 45 anos, ele morreu subitamente. Se viveu pouco, foi de forma intensa. Conhecido por cultivar os prazeres da mesa, seus jantares em nada lembravam a sofisticada gastronomia francesa. Era na ostentação da cozinha portuguesa, nas tripas e arroz doce, que o bon-vivant e celibatário se esbaldava. Entre uma garfada e outra, lia vorazmente manuscritos que lhe eram enviados por ávidos aspirantes a escritor. Não raro, recebia pedidos de pessoas influentes para que lesse os originais dos protegidos.

O PRIMEIRO EDITOR DE EÇA

Um desses pedidos que lhe chegou às mãos foi do magistrado e “par do reino”, José Maria Teixeira de Queiroz, sugerindo que o francês lesse os escritos do filho. Chardron não só atendeu ao favor, como acabou conhecido como o primeiro editor de Eça de Queiroz. Cortês e discreto, fez questão de deixar claro que o não fez para atender à influente solicitação, mas pela qualidade da obra.

Apesar da biografia no mínimo curiosa, para os milhares de pottermaníacos que visitam a livraria, o nome do influente livreiro gravado no vitral logo acima da porta de entrada passa solenemente despercebido.

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