Uma imagem, compartilhada na internet nesta semana, chamou atenção do poeta Fernando Monteiro. É o pedaço de um muro, com a frase “Matamos poetas” seguida de um número de telefone, como um serviço qualquer. “É algo que tem o efeito de chamar atenção, mas também mostra o incômodo da poesia no mundo de hoje. Qual o lugar dela? A maioria das pessoas simplesmente ignora o código da poesia, acham que ela é completamente inútil”, pondera o escritor.
Fernando nunca escondeu que sua escrita procura gerar incômodos. Com uma longa trajetória na prosa, passou a se dedicar mais a poesia quando decidiu, para ir na contramão da padronização do mercado editorial, abandonar os romances. É sobre a poesia, escanteada das grandes editoras e prateleiras, cada vez mais distante do público, que o autor pernambucano dialoga nos cinco encontros do projeto O Ano das Lágrimas da Chuva, que acontece de agosto a outubro.
Autor de obras como Aspades, ETs, etc. e A Cabeça no Fundo do Entulho, Fernando vai receber cinco poetas em conversas: as cariocas Laura Erber e Marília Garcia, a curitibana Luci Collin, o pernambucano Valmir Jordão e o paraibano Sérgio de Castro Pinto. O evento, uma preparação para a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, vai acontecer na Biblioteca Pública do Estado e vai culminar na própria feira.
Falar sobre a poesia, para Fernando, é mais importante do que nunca porque ela é cada vez menos lida. “A poesia é uma espécie de código. É como uma mensagem enviada em uma guerra, que só se pode ler se souber o segredo dela. A poesia tem mecanismos próprios, que a fazem nunca se esgotar”, conta Fernando.
A dificuldade para leitura é geral, mas é ainda mais grave na poesia. “As pessoas voltaram a pensar que a poesia é só a expressão do sentimento, algo que surge quando se acaba um namoro ou uma frase perdida de Drummond que William Bonner diz no Jornal Nacional”, critica. “E mesmo quem lê hoje se volta para ler o que confirma suas próprias visões, não para dilatar a própria consciência. Parece que o leitor se vê maior do que o autor.”
Na programação, Fernando Monteiro vai dialogar com poetas que, como ele, de alguma forma incomodam estruturas – de linguagem ou não – na sua criação. “Laura Erber é uma poeta séria, jovem, com perfeita noção do que escreve na sua poesia de qualidade”, comenta o autor. Por aqui, ela deve trazer o seu novo livro, A Retornada (Relicário Edições).
A convidada seguinte, Marília Garcia, também mantém uma editora, a Luna Parque. “Achei oportuno que tivesse uma pessoa que edita poesia, e ela tem esse duplo olhar”, explica. Luci Collin é de uma geração anterior, “com uma poesia muito boa”, descreve Fernando. Sérgio de Castro Pinto Rocha traz uma ligação maior com a academia: “É um poeta consagrado e do Nordeste”. O poeta recifense Valmir Jordão, voz da poesia urbana da capital, completa o time. “Os poetas continuam a surgir, e com muita força. E não digo isso para ser positivo. Acho que a poesia, uma vez que foi deixada no seu canto quietinha, no seu gueto, pôde ficar livre. Vejo poetas como Marcos de Menezes, Bernardo Brayner e José Juva, entre outros, que têm aparecido”, indica.
Homenageado junto a Lima Barreto da Bienal do Livro deste ano, que acontece entre 6 e 15 de outubro, Fernando continua elaborando sua obra. Durante a Bienal, vai trazer dois lançamentos. O primeiro é uma reedição do poema Vi uma Foto de Anna Akhmátova, de 2009, ainda com editora por definir. O outro é um volume com contos inéditos, editado pela Confraria do Vento, que vai se chamar Contos Estrangeiros de Fernando Monteiro. “São 14 contos, que se passam fora do país com um narrador daqui. Há uma ligação interna entre eles, mas não tem nada de romance. Escrevi todos meio que de uma vez só”, adianta. O outro projeto, que só deve sair em 2018, é o livro Os Sete Pilares da Apostasia. “É um poema longo que eu pretendo que seja uma visão de mundo. Não pretendo me matar e nem morrer, mas é quase um poema testamento”, encerra Fernando Monteiro, o poeta e escritor que insiste em ainda incomodar.