Carlos Gomes aborda Tropicália e Manguebeat em ensaio

'Canções Iluminadas de Sol' mergulha nas canções para comparar - e diferenciar - os dois movimentos
Diogo Guedes
Publicado em 14/04/2018 às 8:29
'Canções Iluminadas de Sol' mergulha nas canções para comparar - e diferenciar - os dois movimentos Foto: Priscilla Buhr/Divulgação


“Nem tudo é tropicalismo. Nem tudo é pós-mangue. Não é isso. Nem tudo é antropofagia. Não é isso. É isso. Nem tudo é”. No livro Canções Iluminadas de Sol, o escritor e crítico Carlos Gomes se coloca num campo instável: falar dos possíveis paralelos (e das dissonâncias) entre dois movimentos culturais que, por si sós, já são difíceis de definir. A obra, fruto da dissertação de mestrado do autor, escolhe um caminho sem certezas para isso: o do ensaio, olhando para os “rasgos, fraturas e deslocamentos”.

Canções Iluminadas de Sol, publicada com apoio do Funcultura, vai ser lançada no Recife neste sábado (14), às 19h, na Galeria MauMau, com um debate do autor com Jomard Muniz de Britto, Paulo Marcondes e H.d. Mabuse, que se apresenta depois da conversa. O evento ainda recebe uma exposição com as ilustrações que Beatriz Melo fez para a obra. Depois, o livro vai ser lançado em São Paulo, no dia 21, e no Rio de Janeiro, no dia 23.

As diferenças entre a Tropicália e o Manguebeat são várias: a época, o contexto político, os locais de origem, etc. No entanto, não é difícil imaginar também paralelos entre os movimentos. O que os colocou lado a lado na mente de Carlos, foi, antes de tudo, as canções. “Eu comecei a ouvir os tropicalistas ainda na adolescência sem ter muita noção do que seria o tropicalismo como movimento. Mas assim que tomei contato com as primeiras histórias do movimento, fiquei impactado pelo modo como as canções pareciam se expandir e dialogar com outras linguagens, e em como havia sempre um aspecto crítico não tão evidente nelas”, conta.

O Manguebeat veio pelo interesse em Mombojó, nos anos 2000, e um “caminho de volta” até Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e também Mestre Ambrósio. “Não houve um ‘despertar inicial’ para que eu pudesse propor algum tipo de comparação entre os movimentos. Eu tinha muita vontade de me aprofundar neles, como uma formação crítica sobre canção, uma formação mais pessoal, que eu achava que devia enfrentar para continuar a escrever e trabalhar com música, mas não sabia como fazer isso. Então, numa pesquisa sobre canção para tentar preparar um projeto pra mestrado, acabei descobrindo Santuza Cambraia Naves e o seu conceito de ‘canção crítica’, aí pensei: ‘Acho que tem alguma coisa aí que eu posso explorar’”, continua o autor.

Um dos pontos de partida para os dois movimentos é a antropofagia de Oswald de Andrade, proposta de devorar não só a cultura tradicional brasileira, mas também as tendências e vanguardas de fora. “Essas relações não são tão estáveis, de continuação, ou de filiação mais direta com o modernismo ou com as vanguardas; mas realmente, ‘devorar’ criticamente é quase que um núcleo de criação para ambos os movimentos. Mas há formas distintas de se “devorar”. É isso que tento mostrar no livro”, comenta Carlos. A devoração é um dos procedimentos da Tropicália e do Manguebeat, assim como a colagem e a paródia.

CANÇÕES CRÍTICAS

O conceito fundamental para o ensaio, no entanto, é o de “canções críticas”. Para Carlos, ela significaria que a “noção de crítica pode se expandir para os próprios objetos artísticos, e a canção, o modo como ela é feita, gravada, performada, pode deliberadamente conter aspectos críticos para além da noção de ‘arte engajada’ ou ‘canção de protesto’”.

Para ele, é justamente isso que persiste nas canções. “O tropicalismo e o manguebeat souberam, de maneiras distintas, fazer da canção a sua forma mais contundente de crítica cultural, e que permanece – apesar das diferenças de contexto – relevante até os dias de hoje. 1967 não parece tão distante de hoje. A cidade do mangue dialoga, em muitos aspectos, com a cidade que tantos artistas e ativistas brigam para manter viva, apesar dos novos novíssimos novissíssimos Recifes”, pondera.

O olhar de Canções Iluminadas de Sol, como o título sugere, é para as próprias faixas. Só após o término da dissertação, Carlos mostrou o livro a Jomard Muniz de Britto, nome fundamental para a Tropicália, e Mabuse, do Manguebeat. “Da dissertação ao livro, tanto eles, mais diretamente ligados aos movimentos, quanto à ilustradora Beatriz Melo e à designer Fernanda Maia, não ligadas ao tropicalismo e ao manguebeat, todos trouxeram modos de pensar a criação que contribuíram para o livro sair do jeito que ele está saindo. Sem saber, ao refletir sobre canções expandidas, acabei por criar um livro que parece também se expandir, na relação crítica com essas e outras pessoa”, comenta o autor.

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