Um ano da morte do poeta Marcus Accioly

A viúva do escritor, Glória Accioly, mostra acervo de inéditos e cartas de nomes como Drummond e João Cabral
JC Online
Publicado em 21/10/2018 às 8:17
A viúva do escritor, Glória Accioly, mostra acervo de inéditos e cartas de nomes como Drummond e João Cabral Foto: Leo Motta/JC Imagem


Mesmo quando tinha compromissos no Recife, o poeta Marcus Accioly não abdicava da sua rotina esforçada de escrita na sua casa em Itamaracá. Era capaz de sair no limite do horário, preso na solução ou reelaboração de um poema. Cercado das plantas, barcos e animais que cuidava com afinco, como se criar um ambiente fosse uma extensão da sua obra, ele continuava trabalhando na sua poesia, mesmo que publicasse pouco. Ao saber dessa rotina e dessa dedicação, não é de se estranhar que a lista de livros inéditos que o escritor deixou com uma versão finalizada ultrapasse os 20 volumes, entre poemas, textos teatrais, crônicas e até cartas trocadas com escritores como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

No dia de hoje, completa-se um ano da partida do poeta, um dos principais nomes da poesia nacional na segunda metade do século 20. O autor de livros como Nordestinados, Latinoamérica, Cancioneiro e Sísifo faleceu quando tinha 74 anos, vítima de um infarto fulminante. Tinha colocado recentemente um ponto final – ainda que seus pontos finais vez ou outra levassem a novas revisões e acréscimos – no texto teatral, em forma de poesia, intitulado Don Juan, sua versão da história do famoso galanteador.
O livro será o primeiro dos inéditos de Marcus Accioly a ser publicado depois da sua morte, com previsão de lançamento pela Cepe Editora no dia 6 de dezembro, em sessão da saudade na Academia Pernambucana de Letras, instituição de que o poeta fazia parte.

Junto com o livro, sairá também uma caixa que reúne treze poemas com ilustrações de José de Moura. “Ele dizia que Don Juan era o texto que queria publicar primeiro, o que tinha que mostrar logo. A Cepe, inicialmente, queria fazer uma coletânea, mas os poemas dele muitas vezes só existem dentro de uma estrutura própria de um livro”, comenta Glória Accioly, arquiteta e viúva do poeta.

Mais do que uma companheira de vida, ela acompanhava o marido nas suas revisões e reescritas. Marcus estava sempre envolto com o trabalho poético, a ponto de pensar em detalhes visuais os seus livros. A dificuldade em publicar se dava também por falta de tempo: o poeta gostava de acompanhar cada etapa da produção, para saber que tudo ficaria de uma forma específica. “Faltava mesmo espaço na rotina para lidar com esse processo”, aponta Glória.

É por saber das vontades particulares de Marcus que ela tomou para si a missão de cuidar para que sua obra seja publicada. Em uma lista, com coletâneas de cartas, palestras e fortuna crítica, a arquiteta conta 28 títulos planejados. “Ele estava escrevendo muito sobre o pai, que tinha morrido há pouco tempo. Existe muita coisa no computador dele, poemas soltos. Estou tentando colocar tudo isso em papel para preservar, porque tenho medo de se perder”, comenta Glória. Entre outros planos literários, ela comenta que a Cepe deve fazer uma tetralogia poética do autor, reunindo os livros Íxion, Narciso, Érato e Sísifo. Também no próximo ano, a Andelivros deve realizar um festival literário em Itamaracá celebrando a poesia do autor.

Um dos acervos importantes que Marcus mantinha era o de suas correspondências. Guardou mensagens que recebeu dos dois poetas brasileiros que mais admirava, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, mas também de outros escritores, como Nélida Piñon e Jorge Amado. De João Cabral, tem uma dedicatória, de 1981, que se refere ao amigo como o escritor “que representa em sua geração a intimidade melhor da poesia pernambucana (e também brasileira)”.

A amizade com Drummond está mais registrada nas cartas. Em uma, o poeta mineiro pede um “obséquio” ao colega: que receba em seu nome a Medalha Joaquim Cardozo, da Fundarpe, em cerimônia em 1981. Em outra correspondência, Drummond felicita o jovem poeta pelo Prêmio Recife de Humanidades, “a que concorreu ‘contra o meu conselho’, segundo me diz”. “Fico tanto mais contente quando vejo comprovada a única utilidade dos conselhos: serem seguidos pelo avesso, o que costuma dar certo...”, brincou autor de Sentimento do Mundo.

A CASA

Além dos muitos poemas inéditos e das cartas trocadas, Glória Accioly defende que a própria residência do casal em Itamaracá é um testemunho da visão do poeta. Ali estão as suas grandes paixões: a natureza, os animais, o mar. “Quando chegamos aqui, não havia quase planta nenhuma ao redor. Ele não conseguiu morar em um canto sem um jardim, sem natureza. Plantamos tudo isso – até um pequeno canavial, porque Marcus gostava muito da imagem de um mar de canavial”, conta a viúva.

Já são nove anos que os dois passaram a morar lá. Quando tinha compromissos no Recife, Marcus dormia em um apartamento em Olinda, onde ficavam os seus livros. Agora, o plano de Glória é construir um espaço para a biblioteca do autor na casa de Itamaracá. Em meio a obras de arte de amigos, como é o caso de cerâmicas de Francisco Brennand e quadros de José de Moura, o espaço é repleto de placas com poemas de autoria do autor pernambucano. Um deles, Marina do Sirênio, termina assim: “Hoje, com sal nos olhos e na boca, espuma à barba, sou Sirênio do mar-canavial”.

Entre os animais, o grande afeto de Marcus era pelos seus cachorros. O principal, que já havia falecido, era Alfa, que ganhou uma obra em homenagem a ele feita por Brennand. Na casa de Itamaracá, moram três cachorros, dentre eles, Bibi, que é personagem de um dos seus inéditos, o livro Bibis, sobre uma reunião de bichos antes de uma festa de Natal. No quintal, Glória e Marcus ainda alimentavam saguis, além de criarem também cágados e preás.

Na parte externa, ainda há espaço para as muitas jangadas que Marcus mantinha. Dividia o gosto pelo mar com o pai, que viveu além dos 100 anos de idade, e costumava sair para pescar com ele. Várias delas trazem homenagens a figuras queridas, como Glória e o cão Alfa. O carro quebrado em que Marcus passeava com o cachorro, por sinal, nunca foi descartado: o poeta mantinha no quintal, porque dizia que o veículo era mais do companheiro do que seu – ele era apenas um fiel motorista.

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