Livro reúne ensaios do crítico Lourival Holanda

Em 'Realidade Inominada', o professor da UFPE mostra ensaios fluídos e generosos com o leitor
Diogo Guedes
Publicado em 10/12/2018 às 19:45
Em 'Realidade Inominada', o professor da UFPE mostra ensaios fluídos e generosos com o leitor Foto: Divulgação


Não espere encontrar as “superstições acadêmicas” ao abrir as páginas do livro Realidade Inominada – Ensaios e Aproximações (Cepe Editora), que reúne textos do crítico literário pernambucano Lourival Holanda. Professor do Departamento de Letras da UFPE, ele poderia apresentar, claro, todas as credenciais que acumulou ao longo dos anos, encher seus comentários de citações desnecessárias e monótonas e seguir fielmente as regras da ABNT. Para ele, no entanto, a literatura é mais do que as formas quase fixas dos artigos acadêmicos: é o território da convivência, da fluidez e da aproximação.

O volume, com 22 textos de Lourival, conta com organização do crítico e professor da UFPE Eduardo Cesar Maia e prefácio do também crítico e docente da UERJ João Cezar de Castro Rocha. Ali, o autor fala, sempre com fluência e embasamento, mas sem afetação, das relações da literatura com a psicanálise, e de João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Osman Lins, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Luiz Ruffato e Nuno Ramos, entre outros. Antes de tudo, o volume é uma prova da generosidade da abordagem de um erudito diante da literatura, que tece os seus ensaios com profundidade sem torná-los inacessíveis ou monótonos.

Segundo Lourival, Realidade Inominada, é uma obra fruto de uma circunstância, da provocação e iniciativa de colegas como Eduardo. “Para mim, é uma espécie de testemunho. É um testemunho da minha vida, das minhas frequentações, das minhas convivências. O que eu sei da literatura é a minha paixão por ela, uma paixão constante, que não é apegada às ideias acadêmicas ou a outros interesses”, conta o professor.

O título menciona uma referência fundamental dos ensaios de Lourival: a literatura, explica o autor, está sempre trabalhando em cima de uma realidade que não pode ser nomeada, que não cabe em palavras. Assim, a ideia de aproximação é inerente à escrita, e sua linguagem é a da incapacidade de abordar a complexidade do real. Ao mesmo tempo, é ao tentar exorcizar a falta da “palavra plena” que narrativas e poemas terminam dizendo algo mais fundo e impensado. Ao comparar literatura e psicanálise lado a lado, o autor recorda Lacan: “Os poetas, que não sabem o que dizem, como é do conhecimento de todos, entretanto dizem sempre as coisas antes dos outros”.

Na apresentação da obra, Eduardo destaca a capacidade de Lourival de tratar os textos literários sem amarras prévias, sem se vincular a teorias que devem dar conta de qualquer texto literário. “No ensaísmo crítico de Lourival Holanda a análise literária nunca pode se confundir com aula de anatomia: pois a anatomia é feita em corpos rígidos, cadavéricos, mortos”, descreve. O próprio ensaísta escreve mais tarde: “Pedir à literatura toda clareza é jogar xadrez com a regra do dominó”.

“Para mim, a literatura, o texto, é sempre o primeiro passo. O teórico vem depois, é secundário. É um instrumento. Privilegiar uma teoria seria achar que o mais importante são os andaimes, que são necessários, mas não são a casa. Eu sou um crítico marginal nesse sentido: a literatura é a coisa mais importante para mim, nenhuma teoria substitui ou dá conta do que é a literatura ou do que ela diz”, comenta Lourival.

João Cezar de Castro Rocha ressalta que a postura de colega diante do desafio da crítica literária é bem ilustrada por uma frase de Kafka: “É que sou literatura, só sei ser literatura e não quero ser nada mais do que isso”. A escrita de Lourival, contra a “leitura reificada segundo as regras da ABNT”, é resumida por ele como “paixão e medida, convívio e cerimônia, intensidade e leveza”.

O ensaio, explica Lourival, é uma opção pela liberdade que ele proporciona. “Ele tem um compromisso com o real, mas traz também o risco da liberdade. Eu tenho uma certa ojeriza pela citação acadêmica, um desafeto mesmo. As pessoas reproduzem o que leram, não incorporam ao texto. É uma superstição acadêmica”, comenta. “Essas regras são um contrassenso ainda maior em uma área em que a linguagem é essencial.”

ABRANGÊNCIA

Lourival transita com o mesmo ritmo ao falar de Grande Sertão: Veredas (“é, sobretudo, um grande texto lírico: uma metáfora continuada de um sentimento único”) e de Freud e de contemporâneos. “Gosto de ler o que está sendo feito. Milton Hatoum, José Rodrigues de Paiva, Nuno Ramos, Luiz Ruffato e tantos outros são escritores amplamente importantes para mim porque são criadores e críticos, têm um pensamento sobre a própria produção”, comenta o autor.

A leitura, Lourival aponta no seu gesto crítico, é o mergulho mais na linguagem do que no assunto, é entender que a literatura traz o testemunho do momento, mas é justamente por saber de suas incapacidades de reproduzir o real que revela ainda mais. “Literatura é, portanto, uma reserva de significações sociais. É preciso, em tempos difíceis, preservar sua função de guardiã das senhas da esperança”, reafirma. Realidade Inominada é um livro para reafirmar o poder e a esperança da literatura, essa “feitiçaria evocatória do verbo”.

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