Além da poesia de Solano Trindade, a Bienal do Livro de Pernambuco, que começa sexta (4) e se estende até o dia 13, no Centro de Convenções, destaca a obra de Sidney Rocha, cearense que fez sua trajetória literária em Pernambuco. Nesta entrevista a Diogo Guedes, o escritor de 54 anos fala da homenagem, com sete convidados, e da leitura e da escrita como forma de resistência no Brasil de hoje.
JORNAL DO COMMERCIO – Sidney, a sua obra é celebrada neste ano em uma Bienal do Livro com o tema das “histórias para resistir”. Como se sente em ser homenageado dentro desse contexto – do evento e do país?
SIDNEY ROCHA – Se escrever é sempre, de um modo ou outro, lidar com muitas formas de perplexidade, fazer isto num país como o Brasil significa que o próprio ato em si de escrever e de ler – que são sinônimos – é resistência. Portanto, contar histórias é implicar, estar implicado, seja no sentido de uma teimosia, seja de cometer algum crime que tem muitos nomes e nenhum. O contexto atual é kafkiano, camusiano. Mais do que homenagem e celebração, estar na feira de livro é habitar o território natural do escritor e do leitor, e dar vez e voz aos anônimos e aos ainda mais resistentes, os personagens reais que extrapolam sempre toda a imaginação literária por mais rica que seja.
Vejo esse reconhecimento menos à minha obra ou trajetória, simplesmente. E mais uma homenagem a uma geração de escritores e escritoras da minha geração silenciados, eclipsados por outras gerações e movimentos, refugiados nas periferias, alijados das decisões nucleares das políticas públicas desde aqueles anos 1980, quando cheguei por aqui, mais um escritor imigrante que aqui se estabeleceu e se entrincheirou na literatura como linguagem também política. A palavra “resistência” corre o risco de não querer dizer muito, fatalmente quando mais precisamos da ação política, de verdade. Mas podemos dizer que aceitei com humildade esse reconhecimento, olhando para várias histórias de verdadeira resistência, em todos os sentidos, de talentosos companheiros e companheiras que ficaram pelo caminho, na luta pela cultura e liberdade no Brasil de ontem e de hoje.
A Bienal de Pernambuco é um dos maiores eventos do gênero no país. Será mais uma oportunidade de tentar ser útil para elevar o debate das ideias e celebrar a literatura.
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JC – No evento, você vai ter cada uma de suas obras comentadas por um convidado, com nomes que vêm de vários cantos do Brasil. Gosta de ver sua literatura ser lida assim, por outros prismas e visões?
SIDNEY – Sim, de todos os Brasis, o que inclui Portugal, que virou um imenso Brasil. Gonçalo Tavares, Maria Valéria Rezende, Manuel da Costa Pinto, Samuel Leon, José Castello, Xico Sá e João Cezar de Castro Rocha. Sem dúvida, a ambição de todos os escritores é serem lidos desse modo assim plural, o que representa uma forma de revelação e de descoberta. O mais interessante do que qualquer elogio é encontrar interpretações as mais livres e imprevistas. Nesses dias, cada um desses grandes leitores, sobretudo, e somente depois escritores e escritora, críticos, jornalistas, professores discutirão com outros leitores esses meus livros. Não à toa, são nomes ligados à resistência política, cultural, no mercado editorial, nas universidades, no jornalismo, na crítica, operários e operárias da literatura como elemento de luta. Esse é um dos pontos comuns da minha obra. Mas não vêm aqui elogiar o trabalho de ninguém. Acredito que promoverão o debate de sobre esse Brasil, claro, mas diante de uma literatura que aponta para o humano o tempo todo, essa é a literatura que pratico.
JC – Suas obras mais recentes, Guerra de Ninguém e A Estética da Indiferença, ajudam a refletir sobre o mundo atual? Escrever em um mundo como o de 2019 é diferente?
SIDNEY – Não creio que os meus livros sejam uma espécie de comentário ou nota de rodapé sobre a realidade presente. Qualquer literatura de ficção que pense em 2019 como um limite de visão nasce datada. A ambição é que haja mesmo uma obra que alguém encontre refletindo no presente uma dose tão alta de paixão humana que pudesse ser lida no passado e no futuro como um produto de nenhum tempo. Acho que esse traço existe nos livros que escrevi no passado. Isso foi sempre minha perseguição, melhor: não persigo nada.
JC – Você tem trabalhado em uma trilogia de romances, que aguarda o volume final, editado a revista Hexágono, voltada para a literatura de autores pernambucanos, e organizado cursos de escrita criativa, além de outras atividades. Como avalia o seu momento atual como escritor? Quais são os seus próximos planos?
SIDNEY – O meu momento atual como escritor é concluir a trilogia e publicar mais de um livro inédito, em mais de um gênero. Quanto a essas outras atividades, de cidadão, continuarei nas escolas, nas bibliotecas, indo onde me chamarem para falar e ouvir experiências, essa vocação que carrego para a cidadania.
JC – Na Bienal do Rio, houve um episódio de tentativa de censura a obras LGBT+ por parte do prefeito do Rio de Janeiro. Como você enxerga o atual momento de ataques, em várias instâncias, à cultura a à literatura? Como um escritor pode agir diante desse cenário?
SIDNEY – Bom, não foi somente uma tentativa. Nada mais é somente uma tentativa no Brasil. Tudo se consolida, tudo se naturaliza com facilidade ultimamente. A questão é que não é de hoje: nunca houve nem haverá momento de sossego para escritores ou artistas. Já houve momentos de censura muito mais pesada e efetiva, inclusive com a tentativa e efetiva eliminação física de autores. Os tempos estão duros para o artista? Estavam também há um século, há cinquenta anos, e estarão amanhã também, seja qual for o governo ou a ideologia dominante. A questão é: o que faremos desta vez?
PROGRAMAÇÃO DE HOMENAGENS
Domingo, dia 6, às 19h - Maria Valéria Rezende fala sobre os contos de Matriuska (2009)
Segunda, dia 7, às 15h - Samuel Leon fala sobre o lugar do autor na literatura brasileira atual
Terça, dia 8, às 15h - Manuel da Costa Pinto fala sobre o romance Sofia (1994)
Quarta, dia 9, às 16h - José Castello fala sobre os contos de O Destino das Metáforas (2011)
Sexta, dia 11, às 18h30 - João Cezar de Castro Rocha fala sobre os contos de Guerra de Ninguém (2016)
Sábado, dia 12, às 15h - Xico Sá fala sobre o romance A Estética da Indiferença (2018)
Sábado, dia 12, às 18h - Gonçalo M. Tavares fala sobre o romance Fernanflor (2015)