Isaar compõe para teatro, prepara shows para o Carnaval e investe no último disco

Há 18 anos, quando começou, ela não encarava o que fazia como profissão. Hoje, dedica-se integralmente e com prazer a cantar
Adriana Victor
Publicado em 26/01/2015 às 5:23
Há 18 anos, quando começou, ela não encarava o que fazia como profissão. Hoje, dedica-se integralmente e com prazer a cantar Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem


Era início de 2007 quando a cantora Isaar chegou a um setor do governo de Pernambuco levando a documentação necessária para a sua contratação. Foi atendida por uma servidora pública que, ao ver a moça negra com longos cabelos enrolados questionou: “O que danado você fez para conseguir uma boquinha dessas, menina?”. Isaar havia cantado. 

Um canto tão impregnado de beleza, alma e sentimento que seduziu, irremediavelmente, o escritor Ariano Suassuna, secretário de Cultura de então. Por dias, Ariano procurara Isaar para convidá-la a trabalhar em sua equipe. Convite feito e aceito, lá se foi ela cuidar da contratação quando topou com o ranço amargo do preconceito da tal moça. Quem era a servidora, pouco importa. 

Para dar conta da equação trabalhos e sonhos, Isaar corre: investe na criação de trilhas sonoras, ensaia os dois espetáculos programados para o Carnaval, prepara o lançamento físico de Todo calor (disponível na internet), insiste em levar adiante as parcerias com músicos com os quais se identifica. Faz tudo isso entre a agonia imperiosa do tempo e os cuidados com o filho Ravi, 3 anos. Faz tudo isso sob a regência da doçura de sua voz forte e magistral.

A moça do bairro recifense de Jardim São Paulo demorou a decidir-se cantora: “Toda vez que estava numa roda de violão, quando começava a cantar, a minha voz subia mais do que as outras. Tinha vergonha, me calava”. Liberar mesmo, só durante as missas, na igreja do bairro. “Percebi que lá não havia plateia, ninguém olhava diretamente para mim. Aí, me soltava.” Ainda revela que, nas celebrações católicas, descobriu o imenso prazer de cantar.

Isaar bem que tentou outra profissão antes de se decidir pela música. Na Universidade Federal de Pernambuco, nos anos 1990, foi aluna de Rádio e TV. Justo lá descobriu um livro capaz de transformar o curso inicialmente traçado: Maracatus do Recife, do maestro carioca César Guerra-Peixe. “Depois disso, me hospedei na Cidade Tabajara (sede do Maracatu Piaba de Ouro, do Mestre Salustiano). Só queria saber de cavalo-marinho, caboclinho e maracatu.” Também nessa época conheceu Chico Science e os meninos do Mestre Ambrósio. 

Em 1997, fundou o Comadre Fulozinha, junto com Alessandra Leão, Karina Buhr, Renata Mattar, Telma César e Maria Helena. Mas demorou para sentir-se profissional da música. “Ainda era uma brincadeira, não era profissão. Tinha a sensação de que a cidade estava em festa, e que eu estava dentro da festa.” Desse tempo, fica uma interpretação definitiva, única, irretocável: Desterro, no tributo gravado por diversos artistas para Reginaldo Rossi (Mangroove, 2000). 

Com as parceiras do Comadre fez a primeira viagem à Europa, acompanhando Antônio Nóbrega. Nos anos 2000, integrou a Orchestra Santa Massa, liderada pelo DJ Dolores – trabalho que permanece vivo e bulindo. “A gente volta a se juntar, sempre que dá.” A Banda Sonora chegou em 2002. Além de cantar, Isaar passou a compor, tendo lançado três discos: além de Todo calor, Azul claro (2006) e Copo de espuma(2009).

Já são quatro trilhas compostas para espetáculos de dança e teatro: Leve, O menino da gaiola, A cara da mãe e Ombela – montagem que deve ser levada à Nigéria este ano. Compor trilhas é um trabalho que, diz ela, junta dificuldade a um prazer danado. 

No Carnaval, Isaar cantará em Jardim São Paulo, o bairro natal, e no Pátio de São Pedro. Sábado que vem (31), tem espetáculo de Todo calor marcado na Várzea, no Centro de Capoeira São Salomão. “É um espaço novo, uma casa linda, com um jardim. Estamos cavando os espaços da cidade, como tem feito o pessoal de teatro”, avisa. 

Com a trupe de Ariano Suassuna, foram quase oito anos de sonho vivo, percorrendo o interior de Pernambuco, cantando, por exemplo, Tu que me deste o teu cuidado, versos de Manuel Bandeira delicadamente musicados por Capiba. “Ariano me deixou melhor”, confessa, em sussurro, numa conversa cujo tom é emoção verdadeira.

Música é futuro, agora para sempre. “Cada vez que dou um passo, é mais prazeroso”, admite. Da família do pai, herdou o talento musical: o avô era seresteiro, a tia é cantora, ela é prima do cantor Marrom Brasileiro. A mãe insistiu como pode para que a filha seguisse outros passos. “Uma criatura que fez de tudo para que eu não fosse artista. Hoje, é quem me dá mais força.” Ainda bem, dona Dulce. 

Confira o álbum Todo calor:

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