O Metá Metá é uma das principais forças de criação da canção brasileira contemporânea. O trio formado por Kiko Dinucci (guitarra), Thiago França (saxofone, flauta) e Juçara Marçal (vocal) transitam nas fronteiras da música popular, pondo em ebulição uma síntese de influências tradicionais afro-brasileiras, punk rock, samba e afrobeat. A banda lançou MM3, seu terceiro álbum, com shows em Dresden e Berlim (na Alemanha), Porto Alegre e Rio de Janeiro (em um Circo Voador lotado), e agora prepara-se para apresentações em São Paulo e Paris. Em entrevista por e-mail, Juçara Marçal falou sobre o processo de criação do novo trabalho.
JORNAL DO COMMERCIO – O Metá Metá (mais o Passo Torto e os projetos solo de cada membro) se entrelaça num processo contínuo. Em MetaL MetaL (2013), a banda ganhou mais peso e eletricidade, que foi um desdobramento dos shows do primeiro disco. Na sequência veio seu disco solo Encarnado (2014) e, com o Metá, EP (2015), ainda mais elétricos e viscerais. Como você analisa MM3 em relação aos trabalhos anteriores?
JUÇARA MARÇAL – MM3 traz um pouco de tudo isso que veio antes, só que agora com uma conexão absurda do quinteto: o trio, mais Marcelo Cabral (baixo, membro do Passo Torto) e Sergio Machado (bateria). Todo o disco foi concebido assim, com todos colocando a mão na massa, revirando as canções do avesso, para que elas chegassem à sua forma mais plena, mas de uma maneira muito espontânea e visceral. Acho também que o que determinou essa sintonia entre os cinco foi o fato de fazermos toda a turnê do MetaL MetaL esses anos todos. A gente respira junto. É muito massa.
JC – Rei Vadio (2016), do parceiro Rômulo Fróes, foi gravado em poucos dias, quase ao vivo. MM3 seguiu o mesmo método. Por que trabalhar dessa forma? É um meio de incluir toda a banda na criação? Neste álbum, inclusive, você é compositora, além de intérprete.
JUÇARA – A gente sempre gravou assim. Desde o Metá Metá (2012). E eu, antes do Metá Metá, já gravava assim com A Barca. É uma maneira de trazer para o disco o calor da execução ao vivo. Todos se escutando e pulsando juntos. E, sim, cometi algumas. Sou aprendiz total dessa história de composição e tenho a sorte de ter parceiros, e mestres, incríveis.
JC – Angoulême é um afro-punk, mas Oba Kosso tem um clima etéreo meio Sun Ra. Imagem do Amor trata de morte e poderia ser uma faixa do Encarnado, mas Toque Certeiro tem um tom bem radiofônico. Criar essa diversidade de sons e ambientes era um interesse da banda?
JUÇARA – Não tínhamos nenhum interesse colocado de antemão. As canções foram surgindo e a gente foi incluindo e descartando as que por algum motivo não tinham a ver com a sonoridade que ia se construindo. No final ficaram essas nove. Poderiam ser 11, 12, mas a gente achou que com essas aí, havia uma unidade, havia uma força, havia uma narratividade.
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JC – A crítica costuma fazer uma analogia entre o Metá e a vanguarda paulista dos anos 1980, de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. O que você pensa dessas comparações?
JUÇARA – Se há uma analogia possível, ela se dá no âmbito da experimentação de linguagem, na busca pela desconstrução dos moldes em que a canção por vezes é enquadrada. Do ponto de vista da produção também é possível estabelecer alguma semelhança, pois tanto agora como na década de 80 tivemos que achar uma maneira de produzir de forma independente. Mas acho que a gente pegou um cenário muito mais propício, por conta da internet. O pessoal da vanguarda era muito guerreiro, tendo que encarar uma cena em que a indústria fonográfica ainda ditava os valores e os formatos das gravações e dos discos. A gente já chegou na ruína dessa indústria. Então foi mais fácil não prestar atenção nela. Criamos uma espécie de mundo paralelo. E ele gira bem.
JC – Além de alguns shows com Siba, o Metá já gravou Vale do Jucá e, no Encarnado, você interpretou Velha da Capa Preta, composições dele. Agora há uma parceria com o pernambucano em Toque Certeiro. Como aconteceu essa aproximação?
JUÇARA – Acima de tudo sou fã absoluta do Siba. E posso dizer que isso se dá com todo mundo do Metá Metá. Nos conhecemos desde a época do Mestre Ambrósio. Por isso as músicas dele estão sempre no repertório e as parcerias vão surgindo. O Siba é um artista inquieto, que não se deixa acomodar, que gosta de experimentar novas formas, de inventar, de se reinventar. Nesse sentido, somos irmãos na luta e na arte.
JC – Em seus shows vocês têm exibido cartazes e faixas contra o governo interino de Michel Temer, denunciando um golpe. Para você, qual o papel da arte neste momento político?
JUÇARA – O papel da arte neste momento político, e na verdade em qualquer momento político, é o de possibilitar, para nós mesmos e para quem nos assiste, nos ouve, nos lê, a expansão dos horizontes. Transtornar, clarear, questionar são verbos inerentes ao fazer artístico. O homem inquieto não se deixa enganar. O que questiona não é manipulado. Por isso a arte é importante, porque ela possibilita a existência e a resistência desse ser humano com o olhar atento e aberto pro mundo.