A onipresença de Lady Gaga na mídia é tamanha que a impressão é de que ela está sob os holofotes há mais tempo do que os oito anos desde o lançamento de The Fame, seu primeiro álbum. Com estética extravagante e sucessos da pista de dança, ela levou para o centro da cultura pop o estranhamento, assumindo a dianteira do gênero e apresentando-se como a mais aplicada aprendiz de Madonna no uso da imagem aliada à música. Em 2016, no entanto, o lugar de Lady Gaga na seara que um dia parecia incontestavelmente sua é deslocado. Com o fracasso de Artpop (2013), Gaga passou a buscar a maior de suas reinvenções: ser percebida como mais do que uma personagem. Para isso, flertou com outras sonoridades: jazz e agora country e rock, no recém-lançado Joanne.
Durante sua meteórica ascensão, Lady Gaga parecia interessada em trabalhar, assim como Madonna, as tensões entre a cultura midiática e da fama e conceitos de identidade. Do hedonismo na pista de dança profetizado de Just Dance (2008), à fórmula pop perfeita de Bad Romance (2009), o estranhamento estético e sonoro de Born This Way (2011) até o pot-pourri de referências do Artpop (2013), tudo parecia fazer parte de um calculado (e ousado) projeto artístico.
Ela se tornou o rosto e a voz de uma geração que não se conformava com normas de gênero e encontrava nas performances da nova-iorquina a referência para um novo modelo de ser e estar no mundo. O pop, no entanto, mudou nos últimos anos, com artistas como Beyoncé e Rihanna investindo em trabalhos que flertavam com o alternativo. Nesse contexto, o discurso e a estética de Gaga começaram a soar datados.
Joanne, portanto, é resultado de um caminho que a artista trilha desde 2014, quando lançou Cheek to Cheek, álbum de jazz em parceria com Tony Bennett, cuja função parece ter sido provar que, por trás da indumentária e das estratégias teatrais, Gaga é dona de uma das vozes mais fortes do pop.
No disco, ela busca reforçar essa percepção, abraçando outro gênero que combina com seu timbre: o country. Intitulado em memória à tia da cantora, morta aos 19 anos e de quem herdou o segundo nome, é um trabalho coeso, que dá destaque à habilidade e versatilidade da intérprete. Seu principal defeito talvez seja negar o caminho traçado por ela até então. Como se Joanne representasse a artista que Gaga realmente é e não uma tentativa de reposicionamento no concorrido cenário pop.
Perfect Illusion, uma parceria com Mark Ronson e Kevin Parker, do Tame Impala, é acelerada, confusa, com ideia já cansada do que é rock e cara de demo. Uma contradição porque, apesar da tentativa de soar crua, o disco são tão produzido quanto os álbuns anteriores e por vezes cae em clichês, como se tentasse emular a atmosfera de Nashville através de referências do Youtube, como em John Wayne e A-YO.
A obra encontra seus pontos altos quando se afasta de simulacros de gêneros, como em Diamond Heart, Come To Mama, Dancin’ In Circles, com Beck, e Hey Girl, com Florence Welsh, que lembra Jennie and the Jets, de Elton John. A faixa título e a balada Million Reasons também se destacam pela simplicidade e principalmente pela interpretação de Gaga.
Aliás, esse é um ponto a se ressaltar: ela não deveria tentar tão arduamente provar seu talento. Sua potência vocal é inegável, sua sensibilidade para melodias de diferentes estilos musicais é clara e sua vocação como compositora é uma das mais eficazes entre suas contemporâneas.