“Meu samba não é de lamento, é muito mais de atormentar”, declara o paulistano Douglas Germano na letra de Golpe de Vista, faixa que dá título e abre o seu segundo álbum, recém-lançado, disponível para download gratuito e streaming.
Enquanto alguns puristas se dedicam à “preservar” o samba conservando-o em formol, outros artistas partem das tradições para reconfigurar o ritmo e criar novos caminhos. Apesar de pouco conhecido como intérprete, Germano é um nome chave deste atual movimento exploratório em torno do samba e da canção popular brasileira – ele é autor de Maria da Vila Matilde (gravada por Elza Soares em Mulher do Fim do Mundo) e co-autor de Damião (Juçara Marçal), Oyá (Metá Metá), além de Vida Alheia, sucesso com o Fundo de Quintal em 1991.
Formado na bateria da escola de samba Nenê da Vila Matilde, Douglas Germano vem do samba, mas o vive e interpreta sem dogmatismos e olhando sempre para o presente. Analisando o contexto cultural de 1976, quando lançou Estudando o Samba, Tom Zé apontou que “o samba, uma forma viva, estava aprisionada por seus próprios cultores”. Em entrevista por telefone, Germano concorda: “Eu nem sabia que ele tinha dito isso, mas eu assino embaixo! Eu acho que o sambista dá um tiro no pé diariamente, principalmente engessando o ritmo. ‘Ah, você só pode tocar samba se você tiver tal e tal instrumento’. Aí começa aquela fetichização. Você tem que ter o instrumento x, y, z e se não for assim não é samba. Mentira!”.
“O samba é um gênero fabuloso. Acho que ele permite muitas coisas do ponto de vista do tema, da atualidade. No começo do século passado, o samba tinha o papel que o rap assumiu hoje de representação mais eficaz de camadas determinadas da população – que hoje o samba passa longe. E essa moçada (sambistas) não percebe. Essa moçada não percebe que o samba pode ser um porta-voz do próprio tempo, sempre”, critica Germano. “Ao mesmo tempo em que eles cultuam pra caramba o Noel Rosa, se esquecem que o Noel, no período dele, revolucionou absolutamente. Rompeu com tudo e fez à maneira dele! E o sambista fica aí botando um chapéu panamá, um sapato bicolor, que é coisa da década de 30 do século passado, e reclama se você quiser fazer uma coisa tratando o hoje. Aqui em São Paulo, o morro mais evidente hoje é a Avenida Paulista”.
É deste contexto que Golpe de Vista emerge. Um disco nervoso, envenenado e, principalmente, urgente. Sua sonoridade é calcada no violão sincopado e no ritmo frenético da caixa de fósforos. Ainda aparecem alguns complementos pontuais de cavaquinho e surdo (tocados pelo próprio Douglas) e colaborações da flauta e do sax de João Poleto e do trombone de Pedro Moreira. “Eu queria registrar minha forma de tocar as músicas e de interpretar também. Mostrar o quanto o violão é importante nas coisas que eu faço. É a forma mais crua e mais honesta que eu teria para registrar”, explica.