Horas depois da vitória de Donald Trump nas eleições americanas, em novembro, Lady Gaga foi para frente das Trump Towers erguendo uma placa com “Love trumps hate” (o amor supera o ódio). No Twitter, ela escreveu: “Levante-se para a bondade, igualdade e amor. Nada nos deterá. Faça uma oração para a América”. Convocada para o show do intervalo do Super Bowl, no domingo, todos esperavam de Gaga uma apresentação em tom de protesto político. Mas em seu lugar, Gaga fez um show bem comportado.
O jogo final da Liga Nacional de Futebol (NFL) congrega redes sociais, internet, esportes, música, entretenimento em um único evento midiático. Mais do que nunca, todos os olhos estão voltados para os Estados Unidos – não à toa o comercial custa R$ 650 mil por segundo. Este era o primeiro Super Bowl da era Trump, presidente que vetou a entrada de refugiados e imigrantes de vários países de maioria muçulmana nos Estados Unidos e mandou construir de tão simbólico muro entre o país e o México.
A música pop converge para uma posição anti-Trump. Numa mesma semana, Gorillaz, Arcade Fire e Fiona Apple lançaram singles com mensagem contra o presidente. Lady Gaga, em sua hora derradeira, preferiu ser isenta. No início, mostrou uma ironia rarefeita cantando versões de God Bless America (de Irving Berling) e This Land Is Your Land (de Woody Guthrie). Depois seguiu o caminho menos arriscado com o medley dos hits Poker Face, Born This Way, Telephone, Just Dance, Million Reasons e encerrando com Bad Romance, ao lado de dezenas de bailarinos mais show pirotécnico, drones que coloriram o céu com as cores da bandeira americana, entre outros artifícios. Um bom espetáculo pop, mas esvaziado e meramente festivo.
Na entrevista coletiva antes do show, Gaga afirmou que “os únicos protestos que farei são os mesmos que tenho feito durante minha carreira. Eu acredito na inclusão, acredito no espírito de igualdade e acredito que o espírito deste país é de amor e gentileza e compaixão. Minha performance fará jus a essas filosofias”. Mas mesmo a icônica Born This Way, sobre os direitos e inclusão das mulheres, homo e transsexuais foi suavizada, domesticada. Ao invés de ocupar uma posição de destaque incisivo, foi apresentada como mais uma música de festa.
Questionada sobre Trump, ela desconversou e transbordou nacionalismo. “O show é algo que está vindo do meu coração para todos na América que eu tanto amo. Este é o meu país e tenho orgulho de ser uma estrela pop daqui. Eu viajei o mundo inteiro e ainda é algo especial ser da América. Quero que as pessoas que assistam o Halftime Show que a Pepsi Zero está patrocinando possam sentir a grandeza dos EUA” – uma derivação apaziguadora do bordão trumpista “make America great again”. Alguns fãs indicaram um protesto “sutil” na performance, apontando o simbolismo de seu pulo no abismo e a citação da Constituição – esta mesma que elegeu Trump e que há algumas décadas legalizava a segregação racial.
Em Born In The USA, Bruce Springsteen mostrou as frustrações dos Estados Unidos na época pós-Vietnã durante a era Ronald Reagan. A mensagem se encontrou nas brechas sociais e ironicamente a música foi usada por Reagan na campanha de sua reeleição. A performance de Lady Gaga, ao contrário, não foi uma brecha e sim uma vala. A trilha perfeita para coroar a vitória de Tom Brady (amigo pessoal de Trump) e o símbolo máximo da família americana no celeiro conservador do Texas.