Foi uma grande festa, um imenso salão, uma celebração coletiva com instantes repetidos de catarse que os que foram assistir à apresentação de Milton Nascimento, quinta-feira (24), puderam testemunhar. Que privilégio! A plateia que fez fila em caracol do lado de fora do Teatro Guararapes, localizado onde o Recife e Olinda quase se abraçam, lotou os mais de 2mil e 400 lugares.
Pouco depois das 21h, os músicos abrem o espetáculo, ainda sem o astro da noite, cantando “Travessia”. Minutos depois, caminhando devagar, chega Milton: “Já não sonho, hoje faço/com meu braço, meu viver”.
Desde o primeiro instante já ficou muito claro para quem ali estava: era um espetáculo para se cantar junto, luz na plateia muitas vezes, compartilhar foi palavra de ordem. Sentado durante quase todo o show, o que se viu foi um Milton solto, leve, conversador, generoso, algumas vezes questionador e, acima de tudo, companheiro de seu público – feliz, muito feliz.
“Tenha fé no nosso povo que ele resiste”, cantou em “Credo”, respondido por um teatro cheio de aplausos. Além da leveza da alma do cantor, o tom político também esteve presente durante toda a noite. Falou da luta dos índios Guarani Kaiowá e do nome de batismo que recebeu deles e repassou ao espetáculo, “Semente da Terra”; cantou o povo negro e sua luta permanente: “Guarda o toque do tambor/pra saudar tua beleza/na volta da razão/pele negra, quente e meiga” – ave que música, quase uma oração. A certa altura, declarou: “Viva as minorias!”. Foi respondido com muitos gritos de “Fora, Temer”, além das palmas.
Em “Coração de Estudante”, cantor, músicos e público harmonizaram um coro memorável. “É um prazer cantar nesta cidade onde já vivi tanta coisa e fiz grandes amigos. Vocês são demais”, disse Milton. E tome aplauso.
Nome por nome, citou cantores, artistas e compositores que têm importância em sua trajetória: Chico Buarque, Francis Hime, Caetano Veloso e tantos e tantos. Lembrou muito especialmente de Elis e de suas interpretações. Também deu nome a vários amigos do Recife que estavam na plateia. Mais que todos, louvou o músico, companheiro de vida artística e amigo Naná Vasconcelos, que se foi em 2016. “Uma das coisas mais incríveis que o Recife já me deu nesta vida foi Naná Vasconcelos”, declarou. “Meu Deus, meu Deus.”
Dois meses antes de completar 75 anos, sobre efemérides ligadas a sua carreira, disse que não via sentido em comemorar uma ou outra. “Está tudo aqui neste palco.” E, de fato, estava. Milton, completo, em entrega absoluta. Generoso, abriu muitas vezes o microfone para a voz limpa e bela da mineira Bárbara Barcellos. “Milton é meu Deus”, já declarou a cantora.
Foram 18 músicas cantadas – por Milton, por Bárbara e por nós todos que nos encantamos com o espetáculo. De quebra, três músicas no bis. Antes de ir embora, ainda chamou ao palco o personagem Bita, protagonista de animação Mundo Bita, criada em Pernambuco, que fez parceria com o artista.
Mas era, mais que tudo, a música que ecoava na alma de quem lá estava. Música que não se descarta, que permanece e revive a cada novo canto. Teatro de pé, em louvação. Que noite! Obrigada, Milton.