Líder de uma banda formada numa sala de bate-papo virtual, Tico Santa Cruz também fez da internet plataforma para o compartilhamento de suas opiniões, muitas tidas como polêmicas. Aos 40 anos, ele afirma estar num estado pessoal e artístico voltado mais ao diálogo que à discussão. Na entrevista a seguir, Tico detalha como essa busca por calmaria se refletiu em seus trabalhos mais recentes.
Jornal do Commercio – O VI é um álbum cheio de baladas românticas, lançado em um ano de euforia em torno das discussões sócio-políticas brasileiras. Você é uma pessoa muito ativa nessas discussões. Por que, então, a opção por um disco tão "calmo"?
Tico Santa Cruz – O estado de espírito que eu fui buscar pra compor me remeteu a essa tranquilidade. Talvez por eu ter participado muito dessa fase tão crítica de discussão, meu espírito esteja procurando uma forma de encontrar silêncio no meio dessa histeria. Quando está todo mundo gritando ao mesmo tempo, ninguém ouve. Talvez eu não conseguisse acessar o coração das pessoas se fosse assim e eu acredito que a música pode trazer as pessoas para um estado que as capacitem ouvir o que está acontecendo ao invés de só estar falando. Precisei observar o que está acontecendo e daí ver que é a hora de pegar as pessoas que estão sofrendo e oferecer um pouco de conforto para suas almas, um abrigo. As músicas de cara já dizem isso, o disco já abre com Nossos Segredos, que tem essa pegada. Quero parar um pouco essa brigalhada toda e conversar. A pluma, na capa, como símbolo de leveza, já transmite isso.
JC – E quais foram as inspirações para essas letras que falam tanto sobre amor? São todas composições recentes?
Tico – São sete canções recentes, uma oitava, de 2009, a Acre Song, e outra de 1997, a Aqui Na Terra, que nunca tinha sido colocada num disco de carreira, apenas numa demo, lá do início. A escolhemos porque são justamente 20 anos completos e porque ela tem tudo a ver com esse clima proposto. Dentre essas outras sete, algumas falam de relação com o outro, amor romântico, amizade, sobre fortalecer o espírito... a com de Leoni (Dias Assim), foi inspirada em Everybody Hurts (de 1992, da norte-americana R.E.M.), que me levantou quando eu precisei. Escrevi, mandei para o Leoni, que musicou e mexeu na letra também. São variáveis tantas. Assim como Brother, que fala dessas pessoas que não entenderam que o mundo mudou, que as todos podem ser e amarem quem quiser. Não estou aqui pra usar o lugar de fala dos outros, mas, quando cabe a mim essa fala, eu prefiro que ela afete mais de forma calma do que com histeria. Fora elas, gravamos também a música do Hyldon.
JC – Por que a escolha de gravar uma versão para Na Sombra de uma Árvore, do Hyldon?
Tico – Hyldon passa a mensagem clássica dos anos 1970 (a música foi lançada em 1975, no álbum Na Rua, na Chuva, na Fazenda), de tolerância, liberdade e amor. Muitos classificaram esse novo disco do Detonautas como neo–hippie e, embora eu não goste de rótulos, gostei de o chamarem assim porque há muita coisa a ver com o que aconteceu na época e com a Na Sombra de Uma Árvore.
JC – Expor suas opiniões, principalmente as relacionadas à política, publicamente afetou a carreira do Detonautas em algum aspecto? Já gerou alguma discordância entre os membros da banda?
Tico – Nunca aconteceu (desentendimento entre os músicos do Detonautas) porque a gente é uma banda muito democrática. Com relação ao externo, eu prefiro acreditar que não estejamos sendo censurados. Prefiro aceitar que a falta de espaço nos grandes veículos, de alcance massivo, seja porque o rock não está em evidência, está passando por um momento não tão popular. Eu estava gravando um vídeo agora há pouco sobre isso justamente porque muita gente vai até as minhas redes sociais reclamar que gosta das minhas músicas, mas não gosta dos meus posicionamentos. E eu me pergunto se isso não é censura também, querer que um artista não compartilhe seus pensamentos.
JC – Como você analisa o rock/pop rock brasileiro hoje?
Tico – Acho que a gente está passando por uma fase de monocultura, apesar da multiplicidade mais do que conhecida da música brasileira. E isso é óbvio, se você ligar o rádio agora vai ouvir que toca um tipo de música apenas porque é isso que as pessoas querem ouvir e é o que dá dinheiro. Mas o rock também tem sua parcela de culpa nesse processo porque se tornou extremamente careta e conservador e isso dificulta o diálogo com a juventude. O rock é elitista, se acha melhor que os outros gêneros, eu também já pensei assim, mas ele não é. Olhando por um âmbito mundial, a situação é semelhante, não existe nada icônico acontecendo. Tem muita gente boa, mas nenhum ícone. Só se venera as mesmas coisas desde os anos 1990. Eu acho que a única saída para o rock é os artistas se juntarem para fazer shows e oxigenar a cena.
JC – Algum gênero ocupou esse protagonismo perdido pelo rock? Em entrevista recente a um portal de notícias você comentou sobre como "os garotos hoje querem ser o Jay-Z". Seria, então, o rap o “novo rock” ?
Tico – O rap sempre teve esse papel (questionador) e, além disso, hoje dialoga melhor com a garotada mais nova, até por conta dessas tecnologias e a velocidade de como eles enxergam o mundo. O moleque hoje quer ser muito mais um MC do que um rock star. É um ciclo, eu sei, daqui a pouco vai passar, mas é assim que tem sido. É tudo muito louco e rápido. Dia desses estava pensando no Cone Crew (Diretoria), que eu vi começando, fazendo show na Lapa para 30 pessoas e, hoje, não é mais a principal banda de rap em evidência.
JC – E você escuta rap? Consegue acompanhar os artistas mais novos, apesar da rapidez com que eles têm mostrado os trabalhos?
Tico – Eu acompanho bandas como o Oriente e artistas que fazem um rap mais popular, como o Projota ou o Gabriel, O Pensador, o Rappin’ Hood... minha formação tem rap na história, o MV Bill foi uma figura com quem eu convivi na minha adolescência. Eu não consigo acompanhar tanto essa velocidade. Fizemos um show em Curitiba, há alguns dias, e, no mesmo dia do Detonautas, tocaram O Rappa, o Gabriel (O Pensador), Onze:20, e um tributo a Charlie Brown Jr. No outro dia, foi o lineup inteiro somente de rap e eu conhecia só duas das bandas. Mas a molecada está atenta.
JC – E do rock e pop rock nacional, o que você tem escutado?
Tico – Eu tenho ouvido uma mesma galera há um tempo, a Vivendo do Ócio (BA), Selvagens à Procura de Lei (CE), Maglore (BA), que gosto muito, a Scalene (DF), Anacrônica (PR), a Stellabella (RJ), que é contemporânea ao Detonautas e ainda tá aí, na batalha. Aqui no Rio de Janeiro tem uma cena chamada A Cena Vive. Dela fazem parte duas bandas que a gente está botando para abrir nossos shows agora, na nova turnê, a Drenna e a Folks. É importante dar esse suporte. Mas para essa galera é difícil ter espaço ate no YouTube.
JC – Que análise você faz dessas duas décadas de carreira com o Detonautas? Há algo que gostariam de ter feito mas que ainda estão em busca? Quais os próximos passos?
Tico – Absolutamente tudo o que a gente se propôs a fazer nós fizemos. São seis discos de estúdio, três DVDs, tocamos duas vezes no Rock in Rio, fizemos turnê nos Estados Unidos, uma viagem ao Japão, emplacamos mais de dez hits nas rádios e, sinceramente, me surpreende tantas conquistas com as posições tão fortes que sempre expusemos no meio. A gente sempre se posicionou de maneira firme e, mesmo assim, conseguimos pagar as contas fazendo música e permanecer circulando entre o mainstream e o alternativo, tocando para públicos grandes e menores. Eu tenho muito desejo de levar o DRC para a Europa e também explorar um pouco mais a América Latina que, de modo geral, têm países muito interessantes onde não pudemos tocar ainda. E, claro, queremos circular o Brasil todo, começando já no próximo dia 9/12, no Imperator (Rio de Janeiro), no show de lançamento da turnê do VI.
JC – Além do álbum do Detonautas, você também lançou este ano o seu primeiro livro infantil, O Elefante e a Borboleta, uma metáfora sobre amor e tolerância. Foi proposital lançá-lo agora, numa espécie de diálogo com a temática do trabalho musical?
Tico – Era um conto que já estava guardado há muito tempo, mais ou menos desde 2009, e que traz uma metáfora muito boa sobre o amor e a liberdade do direito de escolha. Havia uma demanda da minha editora por um livro novo e eu, percebendo meus filhos crescendo, minha filha com nove anos, e o Lucas, com 16, vi que era o momento de lançá-lo, mas não necessariamente ligado ao lançamento do disco. Minha filha adorou, leu, levou para a escola para mostrar aos colegas. E é isso, a mensagem é essa, o amor é um sentimento universal onde não cabe rótulos.
Três anos após o último álbum de inéditas, o Detonautas Roque Clube aposta na ausência de medo em surpreender. Intitulado VI, o recém-lançado sexto disco de inéditas da banda carioca liderada por Tico Santa Cruz reúne dez canções, sendo nove inéditas e uma regravação (Na Sombra de Uma Árvore, de Hyldon), quase todas cantadas com voz mansa, no estilo baladas reflexivas, interpretadas por um eu-lírico remanso.
Como autor de quase todas as letras – duas são parcerias, como a com Leoni, em Dias Assim -, a personalidade de Tico se faz presente no conceito que propõe e assina junto a Renato Rocha (guitarra), Phil (guitarra e voz), André Macca (baixo), Fábio Brasil (bateria) e o DJ Cléston. Isso porque em 2017 o Detonautas completa 20 anos de carreira e ele 40 de idade. As duas datas, símbolos de maturidade artística e pessoal, casam perfeitamente com o clamor por pacificidade que canta desde Nossos Segredos. “Chega de brigar / Escute essa canção / Quero te encontrar e conversar”, diz a faixa de abertura.
O todo pode soar romântico, mas uma audição atenta é suficiente para a percepção de recados politizados, em nome do amor universal. Não foi a escolha por sonoridade pouco rasgada, com guitarras bem menos pesadas, que fechou espaço para letras como a de Brother, óbvio pedido por tolerância à todas as formas de amor.
A única a fugir do todo é Acre Song, que fecha o álbum destoando das demais talvez pelo tempo em que foi composta, 2009. Por isso mesmo, remete ao jeito mais moleque e desprendido lá do início, lembrando bastante Sonhos Verdes, hit do Psicodeliamorsexo&distorção (2006). Um suspiro, assim como todo o VI, para os mais saudosos da última geração de pop rock a ter protagonismo na música popular nacional.