“Capiba é nosso. Nossíssimo. Pernambucaníssimo na sua maneira de ser genuinamente brasileiro”, o elogio, de Gilberto Freyre, foi dirigido a Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, falecido há exatas duas décadas, aos 93 anos. E cada vez menos lembrado, embora, em outubro, a casa onde morou durante décadas, tenha sido tombada pelo governo do Estado, “com o objetivo de preservar e manter a memória artística de Pernambuco”. Um tombamento que foi motivo de polêmica. Zezita Barbosa, viúva do compositor, 85 anos, posicionou-se contrária. Ela mora em Surubim, a 123 km do Recife.
Uma das poucas vezes em que Lourenço da Fonseca Barbosa foi lembrado pela imprensa este ano. Em setembro, o cantor Geraldo Maia prestou-lhe uma homenagem no show Noites Sem Fim: 20 Anos sem o Mestre – Geraldo Maia Canta a Saudade de Capiba, apresentado no Teatro do Arraial. No roteiro, canções de meio de ano do compositor, citado quase sempre como autor de músicas carnavalescas, embora seus sucessos nacionais tenham sido todos com composições de outros gêneros: Maria Bethânia, Serenata Suburbana e A Mesma Rosa Amarela, respectivamente, uma canção, uma guarânia e um samba.
Na carteira de identidade do compositor, o local de nascimento é a cidade agrestina de Bom Jardim, em 28 de outubro de 1904. No entanto, era em São José do Surubim onde ficava a casa do mestre de banda Severino Atanásio de Souza Barbosa e Maria Digna de Souza Barbosa. Lourenço foi o oitavo filho do casal, de onze (sem contar com dois que morreram prematuros). Para sustentar a tanta gente seu Severino Atanásio levou a família para Carpina, de lá para Taperoá e depois para Campina Grande onde os Barbosa finalmente se estabeleceram.
O “Capiba” herdou do avô materno, o major Lourenço Xavier da Fonseca, sujeito irascível, cuja palavra tinha que ser a última. Em O Vocabulário Pernambucano, o historiador, filólogo e folclorista Pereira da Costa assim define o termo: “Capiba: grande, volumoso, alentado, siry capiba. Chefe, dunga, mandão”. Dono de loja em Surubim, o major Lourenço ficava de subir pelas paredes se alguém pusesse os pés nas cadeiras do estabelecimento: “Cadeira foi feita para se botar a bunda, não os pés”, advertia.
O Lourenço Neto cresceu tão irascível quanto o Lourenço avô. Suas caturrices fazem parte do folclore da música pernambucana. Mestre Severino Atanásio poderia formar uma banda com os filhos, todos com inclinações musicais: Sebastião, Tantão tocava clarinete; José Mariano, o Marambá, foi compositor inspirado (é autor de Evoé, hino do Carnaval pernambucano); Severino, violinista e trompetista; Maria, ou Lia, flautista; João, trombonista; Pedro e Josefa, pianistas; Antônio tocava trompa; Tereza, violinista; Herman, pianista.
Capiba começou a tocar trompa aos sete anos; piano aos 12; aos 16 já tocava profissionalmente. Substituiu a irmã Josefa, que se casou, no Cine Fox. A música o acompanhou até o final da vida. Amava a música, mas somente no início da carreira dependeu dela para viver. Ganhou os primeiros prêmios em concursos musicais quando ainda morava em João Pessoa (na época chamada Parayba). Em 1930, prestou concurso para o Banco do Brasil, no qual trabalhou até 1961. O emprego o prendeu na capital pernambucana.
Viajava com frequência ao Rio, circulava com desenvoltura no meio artístico carioca, foi gravado por alguns dos grandes nomes do rádio – Nelson Gonçalves, Alcides Gerardi, Maysa, Carmélia Alves, Eliana Pittman, Elza Soares, Núbia Lafayette, a lista é longa. Mas Capiba nunca se deixou atrair pelos holofotes das duas metrópoles brasileiras. Contentava-se em viver no Recife, onde tinha seu principal intérprete: Claudionor Germano da Hora.
Conhecido e aclamado como autor de frevos-canção, a inspiração de Capiba transitava pelos mais diversos nichos: frevo, baião, samba e o erudito. Em meados dos anos 50, depois de estudar com o maestro Guerra-Peixe, Capiba anunciava que dali em diante só faria música erudita. Peças que compôs nesta época seriam mais tarde incorporadas ao repertório armorial e muitas continuam inéditas.
No centenário do Teatro de Santa Isabel, em abril de 1950, foi instituído um concurso, de âmbito nacional, para uma Abertura Solene, para ser executada no dia 18 de maio, data do aniversário da casa de espetáculos. O 1º lugar ficou com o maestro César Guerra-Peixe, o segundo com Lourenço da Fonseca Barbosa (que concorreu sob o pseudônimo de Zumbi).
Em 1945, ele emplacou o primeiro grande sucesso nacional com Maria Betânia, lançada por Nelson Gonçalves. Composta para a peça Senhora de Engenho, de Mário Sette, a canção, que se tornaria um clássico, deu nome a uma das maiores cantoras da MPB (que a gravou com o irmão Caetano Veloso, de quem partiu a sugestão para que os pais a batizassem com o nome da música do compositor pernambucano).
Nelson Gonçalves, em início de carreira (ainda copiando o ídolo Orlando Silva), deixou Maria Betânia em segundo plano. No lado A do 78 rotações está a obscura valsa Silêncio, de Nelson Ferreira. Os frevos-canção até então eram músicas circunstanciais, à medida que iam surgindo as novas, as antigas, com uma ou outra exceção, caíam no esquecimento.
Ao contrário das canções de meio de ano, feito a trilogia Recife, Cidade Lendária, Olinda, Cidade Eterna, Igarassu, Cidade do Passado, que ganharam várias regravações nos anos 50. Tantos grandes compositores contemporâneos de Capiba tinham sido esquecidos que ele, provavelmente, desacelerou a produção de frevos.
Com o LP 25 Anos de Frevo, a nova geração pernambucana redescobriu o frevo de Capiba. Músicas dos anos 30 voltaram a tocar no rádio, com mais sucesso do que quando foram originalmente lançadas. No mesmo ano, Claudionor Germano lançou Sambas de Capiba (que está há, pelo menos, 50 anos fora de catálogo). Quarenta anos depois de É de Amargar, Capiba ainda criava sucessos, como fez com Juventude Dourada, de 1976