O clipe da música Coisa Mais Bonita, da pernambucana Flaira Ferro, foi removido do YouTube após passar 24 horas no ar. A mensagem da plataforma diz que "Este vídeo foi removido por violar as políticas do YouTube sobre nudez ou conteúdo sexual. A música de Flaira fala sobre o orgasmo feminino e o poder de controle do próprio prazer pela mulher. O vídeo apresentava mulheres em atos de masturbação.
Em entrevista ao JC, Flaira alegou que foi uma censura explícita. "O clipe da gente é um grito sobre emancipação sexual da mulher, não tem nenhuma cena de nudez, não tem nenhuma violação aos direitos humanos. Por falar de uma mulher que não depende de um homem para se dar prazer, acho que isso atingiu o âmago de uma camada reacionária e conservadora de internautas", afirma a cantora. Ela diz que há um grande número de vídeos feitos por homens que hipersexualizam e expõem de maneira abusiva o corpo feminino, mas que continuam na plataforma.
Ela afirma que já acionou os mecanismos de contestação para o vídeo voltar ao YouTube, mas enquanto não tem resposta, vai disponibilizá-lo em outras plataformas, como o Vimeo, WhatsApp e suas contas no Facebook e Instagram. "Quando a mulher é protagonista da própria voz, do próprio desejo, da capacidade de se satisfazer sexualmente, é chocante, impactante e é uma prova que que a gente precisa colocar esse vídeo no ar. Me dá mais força para fazer com que esse clipe seja visto pelo maior número de pessoas", salienta.
Segundo o criador de conteúdo digital William Paiva, o YouTube está cada vez mais rígido no controle do conteúdo veiculado, por conta da pressão de anunciantes, que não querem ter seus anúncios veiculados em conteúdo duvidoso. "O mecanismo para determinar o que é conteúdo impróprio ou não sempre foi uma coisa meio nebulosa. Eles recebem 300 horas de vídeo por minuto e não tem como dar conta dessa quantidade toda", elucida. Ele afirma que para a plataforma, é muito mais fácil se monitorar conteúdo de texto, como os comentários, do que os vídeos em si. Caso os comentários sejam avaliados pelo algoritmo como ofensivo, o vídeo pode ser sinalizado e retirado do ar.
Fellipe Maia, cofundador da escola e agência de comunicação digital Berlim Digital, afirma que provavelmente a remoção do conteúdo foi mais pela avaliação automatizada do YouTube do que por denúncias. "Quando o vídeo foi colocado na plataforma, provavelmente não foi colocado que deveria ser assistido apenas por maiores de 18 anos. O vídeo é artístico, não tem sexo explícito ou nudez, mas como fala de masturbação, uma das regras é que realmente o vídeo fosse colocado para maiores de idade", explica Maia. Ele diz que com o preenchimento do formulário de contestação, o clipe passará por uma análise humana, voltando ao ar, mas com a restrição de idade.
Desde o lançamento na terça (13) do clipe Coisa Mais Bonita, a música da artista Flaira Ferro tem recebido uma grande quantidade de comentários no Youtube. A letra fala sobre a mulher como protagonista do seu próprio desejo, e o vídeo, dirigido por Déa Ferraz, traz uma série de mulheres se masturbando diante de uma câmera.
A grande maioria dos comentários é positiva, com mulheres que celebram o empoderamento e o próprio prazer e homens que elogiam a liberdade sexual e a coragem da obra. No entanto, há várias agressões e comentários misóginos ou descontentes com a música e o clipe.
Um usuário chamou o clipe de “porcaria visual”, outro lamentou: “Saudades de quando a mulher se dava ao respeito”. “O Brasil tem entrado numa decadência moral, ética e cultural absurda”, ainda escreveu outro comentarista. Várias postagens trazem agressões e xingamentos.
“Quando eu e Déa (Ferraz) começamos a pensar no clipe e quando eu compus a música, sabíamos que estávamos tocando em um assunto tabu, que é a sexualidade feminina. Quando a sexualidade está a serviço do desejo masculino, ela é normalizada e aceita, mas quando a mulher é protagonista do próprio corpo, isso é um choque”, conta Flaira, em entrevista ao JC.
“A tristeza é maior porque é essa a nossa realidade, e isso é pior do que qualquer comentário ou ataque na internet”, continua. “Reações reacionárias, conservadoras, misóginas não são novidade. O que me interessa é que vejo um impacto bom, porque a maior parte da repercussão é de pessoas que gostaram, celebraram.”