Em Garanhuns, Johnny Hooker entra na polêmica: 'Jesus é travesti'

Cantor fez discurso contundente contra a censura à atriz trans Renata de Carvalho, intérprete de Jesus - Rainha do Céu
Bruno Albertim
Publicado em 28/07/2018 às 3:04
Cantor fez discurso contundente contra a censura à atriz trans Renata de Carvalho, intérprete de Jesus - Rainha do Céu Foto: Nicole de Andrade - Secult PE


Num festival marcado, desde antes de seu início, por polêmicas e tensões morais desde o cancelamento na programação oficial da peça Jesus - Rainha do Céu, espetáculo acusado por alguns setores da sociedade local de blasfêmia pelo fato de Cristo ser representado por uma atriz transexual e defenido por outros setores, sobretudo da classe artística, de libertador e inclusivo, Garanhuns viu a última sexta-feira de sua maratona de shows marcada por espetáculos de clamor pelo respeito à liberdade sexual. Uma noite em que a música sublinhou discursos de respeito às várias formas de exercer o amor.

 

Responsável pelo último show da noite, Johnny Hooker queria fogo. E não economizou no discurso, tão incendiário quanto a apresentação: “E se Jesus voltasse agora à terra como uma travesti? Não era para amar ao próximo como a si mesmo? Estamos aqui num festival de falso viva à liberdade. Pois, eu quero dizer que Jesus também é travesti”, disse ele, dedicando o show à atriz trans Renata Carvalho”, sendo ovacionado e vaiado ao mesmo tempo pelo público. “Podem vaiar, enfiem essas vaias”, retrucou. "Arte é mesmo pra libertar a cabeça de merda, como disse Daniela Mercury".

 

Hooker apresentou o show Coração, já visto algumas vezes no Recife depois da estreia antológica, ano passado, em arena aberta, no Parque Dona Lindu. Com sua já esperada performance enérgica,  confirmou-se como um dos símbolos de uma geração que não aceita as velhas gavetas classificatórias do bom gosto.

 

Com repertório pinçado também de seu primeiro álbum, Eu vou fazer uma macumba para te amarrar, maldito! (2015), eletrizou a plateia com seu brega pós-moderno, rocker, existencialista, em que a passionalidade da tradicional canção romântica brasileira é redimensionada em direções múltiplas. O samba-reggae Manteiga de Garrafa e o ijexá Caetano Veloso, em homenagem ao ídolo fizeram da praça uma arena carnavalesca.

 

 

Outra estrela da noite, Gaby Amarantos subiu ao palco e repetiu, ao vivo, a dobradinha no carimbó  Eu não sou seu lixo, uma balada dançante de pós-sofrência. O público cantou junto e por pouco não abriu uma cratera no chão da praça. Com posicionamentos e letras sobre uma sexualidade afirmativa, foi um show, lato senso, político.

 

Antes de Hooker, Felipe Catto apresentou o potente e delicadíssimo show o Nascimento de Vênus, versão em palco de Catto, seu último disco de estúdio. Andrógino dos cabelos à medula e, sobretudo, à voz, de um timbre afiado como o de uma Elis, o gaúcho provou, outra vez, porque é a voz mais preciosa de sua geração no Brasil. Além da sutileza de canções ancoradas na força do verso, expandiu os pulmões além das barreiras em timbres roqueiros das novas canções ou dos hits obrigatórios, soletrados com fervor pelo público - Saga e Adoração, entre elas. “Viva o amor”, gritava ele, vestido com uma coroa e uma camiseta em que Jesus Cristo aparecia sob um arco-íris, símbolo histórico do movimento gay.

  

O cantor que já tinha feito uma recriação antológica de 20 e poucos anos (sucesso com Fábio Júnior nos anos 1980), quebrou de novo barreiras distintivas entre os chamados bom e mau gosto e imprimiu uma interpretação lindamente nostálgico-futurista à Eva, hit oitentista do extinto grupo Rádio Táxi. Foi, como ele queria, um verdadeiro ritual xamânico do pop. Depois de shows em edições anteriores no Palco Pop, Catto mostrou que estava mais que pronto pro batismo de fogo na grandeza da Praça Mestre Dominguinhos.

 

Entre os shows de Catto e Hooker, a noite foi de Gaby Amarantos. A diva paraense destilou a eletricidade de sempre, o bom humor de sempre, o sexy appeal de sempre. Dançante do começo ao fim, com um exército potente de bailarinas e uma banda formada basicamente por mulheres, Gaby lançou mão de hits do Olodum, Xirley, de Zé Cafofinho, e Envolvimento, de MC Loma e, antes de entoar o Canto das Três Raças, bradou: “Esse show é dedicado à mulher preta, e as travas pretas, que sofrem todas as violências duplamente”. O palco teve ainda a energia de Beth de Oxum e do Coco de Umbigada e do pop de Romero Ferro, agora repaginado com tempero pós-brega.

 

 POP

Mais cedo e nos outros palcos, a noite teve bons momentos. No palco pop, a música afiadamente narrativa do bardo Juvenil Silva e da Boogarians, a banda de Goiás que, desde 2013, com seu rock psicodélico e bem humorado como uma Mutantes do século 21, segue sendo hype em festivais mundo afora.

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