A noite de encerramento do 28º Festival de Inverno de Garanhuns foi especialmente pernambucana. Pela primeira vez apresentado no Estado, o público que lotou a Praça Mestre Dominguinhos pôde conferir o show exibido, uma única vez, no Rio 2C 2018, o principal evento brasileiro dedicado à economia da cultura, no primeiro semestre deste ano, no Rio de Janeiro. No palco, como recorte precioso da nova geração de intérpretes e compositores, nove nomes representaram a “Nova Cena Pernambucana”. “Este é apenas um dos vários recortes da música que se faz hoje em Pernambuco”, dizia Juliano Holanda, compositor e produtor que tem sido o grande catalizador e aglutinador dessa nova cena. “São vários, esse é apenas um deles. O mais importante é dizer: existimos”.
E que existência: neste sábado de Garanhuns, subiram ao palco Aninha Martins, Flaira Ferro, Isaar, Isadora Melo, Martins, Almério, Romero Ferro e Amaro Freitas. No respaldo, uma banda poderosa, composta por Philipe Moreira Sales, no pífano; Rafa B, na bateria; Roger Victor, no baixo. Ao lado do próprio Juliano, na guitarra, Thiago Martins, na rabeca, e Amaro Freitas, no teclado, os instrumentistas assumiram a missão de
rearranjar e trazer unidade para o repertório de novas temas que, aos poucos, vão se impondo no imaginário musical local. Sim, um espetáculo que pode ser considerado marco geracional: pela primeira vez, desde o manguebit dos anos 90, uma geração tão generosa em poéticas, vozes e personas distintas e harmonizadas não se configurava no Estado.
Diante de projeções de imagens antigas de super oitos de Jommard Muniz de Britto, com direção artística de André Brasileiro e musical de Juliano, eles abrem juntos o show terçando vozes e personas com a canção Altas Madrugadas, também de Holanda, numa versão ligeiramente mais rocker e enérgica.
Depois, a noite teve parcerias memoráveis, como Flaira Ferro mostrando sua porção bailarina e materializando, com o corpo, um tema instrumental de Amaro Freitas. Memorável, também, Almério, Isaar e Martins unidos com Queria ter pra te dar. Inesquecível o número em que Aninha, Flaira Ferro, Isaar e Isadora Melo cantam, juntas, “Coisa mais bonita”, balada de inspiração ritaleeniana, composta por Flaira, sobre masturbação feminina e a autonomia do corpo da mulher como uma espécie de manifesto estético-social.
Heterogêneo e ao mesmo tempo coeso, o grupo expande as fronteiras poéticas da geração anterior mais visível, saindo da lama do Capibaribe central no manguebit, para incorporar narrativas interioranas, sertanejas, agrestes, urbanas, cosmopolitas, suburbanas e universalistas. É um espetáculo com vitalidade para ainda uma carreira de muitas apresentações.
A noite, aliás, manteve a tônica do festival, marcado, desde antes do começo, por debates de ordem jurídico-moral-política desde o primeiro veto ao espetáculo Jesus, Rainha do Céu, em que a atriz trans Renata Carvalho interpreta Cristo. Ao final do espetáculo, o grupo de pernambucanos gritou, como homenagem, o nome da atriz.
Antes, a paraibana Renata Arruda fez um show correto e sem grandes surpresas e Lula Queiroga, no seu, levantou o público com a energia de canções suas mais conhecidas em outras vozes, como a emblemática Alzira.
Os novos e novas pernambucanos abriram o palco para uma eterna grife do rock brasileiro. Parcialmente renovada, a Titãs mostrou que tem incorporado mudanças apenas para continuar sendo a banda que vem sendo nos últimos 35 anos de carreira contínua. A banda tem repertório pra mais de uma semana de show. Emendou um ponto alto no outro, desde a nova “É você”, uma balada de piano da ópera rock Doze flores amarelas, ao megahits como Flores e Sonífera Ilha. Ao lado de Sérgio Britto e Tony Bellotto, o recém-integrado Beto Lee, filho da rainha Rita, tocava sua guitarra como se estivesse na banda desde sempre. Um encerramento apoteótico.