Este ano, um dos principais ícones da cena punk recifense, a banda Devotos completa três décadas de trajetória. Como parte das comemorações, o power trio formado por Cannibal, Neilton Carvalho e Celo Brown lança o sétimo álbum, O Fim Que Nunca Acaba, em que ao mesmo tempo em que revisita suas raízes no dub, hardcore, punk rock e reggae, amplia os horizontes e procura experimentar, desde o processo criativo às gravações no estúdio Alto Volts, localizada na Zona Norte do Recife. O trabalho traz ainda participações especiais de Maciel Salú, Maestro Forró e Luiz Carlos, do grupo Realidade Encoberta.
Já de início, o título O Fim Que Nunca Acaba chama a atenção. A ideia, como explica Cannibal, responsável pelas composições do grupo, surgiu porque algumas vezes perguntavam se a banda havia chegado ao fim, apesar de ser aberta aos mais diversos significados.
“Já vi entrevista de Pitty, a galera perguntar para ela sobre a Devotos, se a Devotos acabou e ela dizendo que a gente estava rolando, que nunca acabou. Esse fim que nunca acaba, você poder imaginar várias coisas. É uma estrada que você anda, anda e não chega ou até a estrada da música”, afirma o artista. “Fazer banda é difícil. Fazer banda no Recife é mais ainda e de hardcore, é aquela coisa que você tem o começo e sabe que vai ter o fim. A gente sobrevive praticamente disso, pelo menos eu. Uma coisa mais ou menos esperada, fazer uma banda hardcore e um dia ela acabar. A gente nunca acaba”.
As novidades também costuram os processos de criação. Se nos álbuns anteriores eles criavam o repertório e iam aperfeiçoando à medida que iam ensaiando, por sugestão de Neilton, que além das guitarras assina todo o projeto visual e a direção musical, neste mais recente eles compuseram e imediatamente gravaram. Isso contribuiu para um resultado bastante diferente dos outros discos.
Através das redes de streaming, bem antes do lançamento, soltaram algumas faixas do álbum. Mas antes da popularização da internet, eles já costumavam fazer isso nos shows para que o público fosse sentindo o que estava por vir.
“Nesse disco, a gente quis fazer uma espécie de estratégia, que seria soltar as músicas antes do disco sair. Até porque as pessoas já chegam nos shows sabendo as músicas. Não ia ser uma surpresa. É massa para a gente estar tocando e as pessoas já conhecerem uma ou outra”, revela Neilton em entrevista ao Jornal do Commercio.
Sobre as parcerias com o Maestro Forró, Maciel Salú e Luiz Carlos, do grupo Realidade Encoberta, os três músicos contam que sempre quiseram realizar algo juntos.
“Tem uma parada muito forte na música pernambucana, apesar de a gente não estar sempre juntos todo o tempo, a gente se admira. Tê-los no álbum é uma gratificação muito grande”, afirma Cannibal.
Desde o início da Devotos, eles sempre convidaram artistas de diversos ritmos musicais, a exemplo de Dado Villa Lobos, Pitty e Herbert Vianna. Além da identidade sonora que é marca no hardcore feito pela banda, outro ponto de O Fim Que Nunca Acaba são as ilustrações da capa e do encarte, criadas por Neilton Carvalho, que trazem um mar de sangue, um jovem negro e uma folhagem de comigo-ninguém-pode, planta utilizada em rituais religiosos, mas que comumente é encontrada decorando as casas recifenses.
“Quando compus aquela ilustração, tinha muito a ver com as coisas do mundo atual. Uma imensidão do mar manchado de sangue, o monstro está preocupado em destruir o sonho, o barquinho de papel. Mas se você observar, não tem uma gota de sangue nele. É como se ele estivesse se apoiando na crença dele, como uma proteção”, explica Neilton.
Ainda integrando as comemorações de três décadas de carreira, estão o lançamento do livro com as letras escritas ao longo desse período por Cannibal, Música Para o Povo Que Não Ouve (Cepe Editora), e a exposição de Neilton Carvalho A Arte É Um Manifesto, que ocupou o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães com peças do acervo da banda, pinturas e ilustrações do multiartista.