John Coltrane no limiar da reinvenção do jazz

Caixa reúne gravações feitas em 1958
José Teles
Publicado em 09/04/2019 às 17:46
Caixa reúne gravações feitas em 1958 Foto: Foto: Divulgação


Já tem alguns anos que as gravadoras reempacotam produtos de acervo – as datas redondas sãos os ganchos prediletos. Aproveitando os 60 anos, completados em agosto de 2018, em que o saxofonista John Coltrane lançou discos solo pela Prestige, chegou às lojas físicas e digitais a coleção Coltrane ‘58 - The Prestige Recordings (Craft/Prestige). As edições físicas com a opção de caixas com cinco CDs ou oito LPs.

 Nada aqui que o fã de Coltrane não conheça. Todas as gravações já foram comercializadas, a Fantasy já chegou a reunir parte delas numa caixa, em 2003. Na época, jazzmen tinham um ritmo diferente de trabalho. Convidavam amigos músicos e gravavam em algumas horas vários temas, geralmente criados em cima de um riff, ou improvisavam sobre um standard da canção popular. Graças ao formato digital, esses fonogramas tornam-se mais acessíveis, remasterizadas e na ordem em que foram gravados.

 John Coltrane – que morreu aos 41 anos, em 1966 – já tinha prestígio suficiente em 1958 para embarcar em carreira solo, sobretudo como sideman de dois gênios consolidados do jazz, Miles Davis e Thelonious Monk. Estas 37 gravações ratificam a asserção. Coltrane tornou data uma piada da época: “Bebop é um grupo de jazz cujos integrantes tocam pra ver quem a acaba música primeiro”. A técnica criada por Coltrane, o sheets of sounds, camadas sobre camada de notas numa velocidade de quem desce montanha russa descontrolada, faz o bebop parecer música ambiente.

 Assim como Mingus e Miles, ele estendia os limites do jazz, na estruturas e na técnica. A autoconfiança de John Coltrane é invejável. Depois de participar do mais influente grupo da história do jazz, bastava continuar tocando a carreira, como seus companheiros nesse grupo, liderado por Miles Davis: o pianista Red Garland, o baixista Paul Chambers e o baterista Philly Joe Jones, que continuaram como coadjuvantes de luxo. Coltrane criou um caminho novo para o jazz.

 A sua última turnê com Miles Davis foi registrada no álbum Miles Davis and John Coltrane Live in Stockholm 1960. O irascível Miles não se abalou com a performance de Coltrane, que perturbou um baterista do nível de Wynton Kelly que, em alguns momentos, se perde em meio a enxurrada de acordes do saxofonista, que reinventa a arte do improviso naquele palco.

DISCOS

 Coltrane ‘58 - The Prestige Recordings contém cinco horas e meia de música. Melhor absorvidas se digeridas em doses. Ressalte-se que o final dos anos 50 são os mais ricos para o jazz que se fragmentara nos anos 40, com o be bop que, por sua vez, estilhaçara-se, fazendo surgir diversas correntes. Com isso exigindo dos músicos mais do que simplesmente competência.

 Nessas gravações para a Prestige, John Coltrane está acompanhado por um who’s who da história do jazz: Kenny Burrell (guitarra), Donald Byrd (trompete), Paul Chambers (contrabaixo), Jimmy Cobb (bateria), Tommy Flanagan (piano), Red Garland (piano), Wilbur Harden (trompete, flugelhorn), Louis Hayes (bateria), Art Taylor (bateria) e Freddie Hubbard (trompete), este último então com 20 anos.

 As sessões de gravação aconteceram num estúdio construído pelo mais importante engenheiro de som do jazz, Rudy Van Gelder, que mandou construir o espaço numa casa que pertenceu aos pais, em New Jersey. Ao contrário, por exemplo, do contemporâneo Ornette Coleman, que imergiu de cabeça no free jazz (um rótulo de que não gostava), Coltrane aplicava sua rajada sonora também em melodiosos standards da música americana. Em 1961, gravou um disco inteiro com músicas de Cole Porter, Rogers & Hammerstein II, ou Ira Gershwin, emplacando nas paradas com a cândida My Favorites Things, do filme não menos cândido The Sound of Music (que recebeu no Brasil título de chanchada: A Noviça Rebelde).

 John Coltrane tocava a fina flor do jazz desde 1946, mas seu estilo começa se desenvolver a partir de 1955 quando entra para o grupo de Miles Davis. Reaprende a tocar com Thelonious Monk, e essa reaprendizagem ele pôs em prática na música que gravou durante seu curto período como bandleader na Prestige.

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