Xico Bizerra, nascido no Crato (CE), morando desde final dos anos 60 no Recife, foi durante 28 anos funcionário do Banco Central do Brasil. Em 1999, saiu por uma porta, a do BC, e entrou por outra, a da música. Claro, não foi a aposentadoria que trouxe a inspiração. Ele já rabiscava umas letras, já assoviava umas músicas:
“Mas achava que não dava pra conciliar, fazer bem as duas coisas. “Quando saí do banco, fiz umas coisinhas, gravei uma fita demo e mandei pra 12 artistas. Só Irah Caldeira me respondeu. Sugeriu que fizesse um disco. Convidei alguns intérpretes, o disco foi feito, e deu certo. Vendeu bem, foi bem de crítica e me incentivou a fazer outro”, conta Xico Bizerra sobre o início do projeto, Forroboxote que completa 20 anos com mais um disco: Cantigas de Sanfoneiro. O lançamento acontece hoje, na Passa Disco, no Espinheiro, às 19h, com canjas do guitarrista João Neto e Luizinho da Serra.
Ilustra a capa uma foto chiaroscuro de Dominguinhos de costas, numa apresentação intimista em Caruaru, na casa de Lúcio Omena. A foto, do mineiro José Evangelista, dá um toque de classe a mais num álbum de embalagem luxuosa. Exigência que Xico Bizerra se faz é a qualidade da apresentação de seus discos: “Lançar em envelopes, mal gravados, é uma das coisa que ajudam a acabar com o forró”, admoesta, mas aponta para problemas maiores que afetam o bom desempenho do gênero.
“O forró está nessa crise toda por causa de vários fatores. A música lixo, no espaço que deveria ser do forró pé de serra, tem a publicidade do poder público com todo esse esquema das bandas. Não tenho nada contra que o povo vá assistir, mas com o meu imposto eu não aceito. O governo tem uma grande culpa de o forró estar acabando. E há também a outra dependência exacerbada do artista em relação ao poder público. E se de repente tirarem o patrocínio, como fizeram com o comício. Se acabarem com o patrocínio de show, entretenimento, todo mundo se lasca porque estão todos mal-acostumados. Estão acomodados, sem saber para onde ir. Entretenimento não é função do Estado. A obrigação do Estado é com fomento, estrada, saúde, educação, segurança, etc. Entretenimento, cada qual que faça o seu, e arque com a despesa”, pondera.
Xico Bizerra revela que dispensa leis de incentivo e afins para produzir seus discos: “Tudo que ganho com a venda de CDs, direitos autorais, prêmios em festivais, vai prum ‘cofrinho’”, que só é aberto quando vai produzir um novo disco. “O que ganho na música, invisto em música”.
Coincidentemente, Xico Bizerra surgiu quando o forró autêntico deixa de ser um ritmo sazonal para tocar no rádio, novamente no horário nobre, a partir do sucesso de Caboclo Sonhador, de Maciel Melo, com Flávio José. Duas décadas depois, os ídolos do forró continuam os mesmos, aponta Xico Bizerra.
“Se você procurar hoje, a faixa média deste pessoal é de 60 anos. Santanna, Maciel, Petrúcio, Jorge, Flavio José, é tudo por aí. O que acontecerá quando este pessoal falar em parar, e não vai demorar, todo mundo tem um limite. Quando pararem quem vai segurar o forró?”, solta questionamento no ar. Para Xico está faltando motivação para a renovação: “O dinheiro é a mola mestra, o pessoal corre pro forró estilizado, pro sertanejo, pro brega, a coisa que no momento tá dando grana”.
REFERÊNCIAS
Cantigas de Sanfoneiro é um disco com uma maioria de músicas inéditas, algumas raras, como é o caso Pise de Mansinho, parceria póstuma com Luiz Gonzaga: “Botei letra num instrumental dele, para o disco Luas de Gonzaga, produzido por Gereba (do grupo baiano, dos anos 70, Bendegó Gereba). “Faço uma referência aos sanfoneiros que já se foram – Dominguinhos, Gonzaga, Pedro Sertanejo – e dou as boas vindas para a turma mais nova – Beto Hortiz, Jonathan Malaquias, e outros talentos. Sem esquecer dos tradicionais, Gennaro, É Chico Chagas”. Nas 18 faixas, as gerações se misturam. É um “quem é quem” do forró, com artistas que eventualmente incursionam pela seara, Geraldo Maia, Dalva Torres, Luiza Fittipaldi e Sarah Lopes.