Cowboys do Asfalto polemiza sobre a música sertaneja

Livro questiona a falta de aceitação das duplas pela crítica e intelectuais
JOSÉ TELES
Publicado em 28/07/2015 às 6:00
Livro questiona a falta de aceitação das duplas pela crítica e intelectuais Foto: foto: reprodução do livro Cowboys do Asfalto


O escritor acreano J. G de Araújo Jorge foi um poeta de grande popularidade no Brasil nos anos 50 e 60. Apesar de malhado, ou ignorado, pela crítica, ele vendeu imensamente mais livros do que Carlos Drummond de Andrade. José Mauro de Vasconcelos foi um romancista de grande popularidade no Brasil entre os anos 60 e começo dos 70. Apesar de malhado, ou ignorado, pela crítica, ele vendeu imensamente mais livros do que João Guimarães Rosa. Nos dois casos, não se questionou o fato de Araújo Jorge e Vasconcelos serem considerados autores menores, sem comparação, respectivamente, com Drummond e Guimarães Rosa em qualidade literária, não constando de antologias ou lista de melhores escritores do País.

O fato de serem populares e venderem muito, não contribuiu para que surgissem teses tentando encaixá-los na discutível asserção de que se o povo gosta é porque é bom. Com a música popular isto não acontece. Cada vez mais se questionam critérios de qualidade, põe-se em xeque talentos, atribuindo-se qualidades à música que vende muito, e tem a preferência da maioria dos consumidores. A crítica e intelectuais são esnobes e elitistas por não incluírem cantores de gêneros “povão”! Em suas relações de melhor do ano, ou nas páginas das publicações em que escrevem. Cowboy do Asfalto, livro de Gustavo Alonso, um calhamaço de 599 páginas (Civilização Brasileira) é um longo argumento a favor do estilo musical que se convencionou chamar de sertanejo.

Questiona-se porque o caipira é até hoje considerado música sertaneja autêntica, e a música sertaneja, feita a partir de final dos anos 60, não merece o mesmo status. Gustavo Alonso próprio explica e justifica, mesmo que considere os sertanejos injustiçados. O título do livro foi tomado emprestado a Chitãozinho & Xororó, que lançaram um álbum homônimo, em 1990. Ou seja, embora vindos da roça ou do interior de Estados do Centro-Oeste, São Paulo, Paraná e Minas Gerais, as duplas procuraram se distanciar da música tradicional dessas regiões. Não são uma evolução do gênero, mas uma ruptura com suas raízes culturais.

Esta ruptura foi do estilo musical à cabeleira, como ressalta Gustavo Alonso: “Aliás, o próprio corte de cabelo de Chitãozinho & Xororó, que se tornou famoso na época, foi inspirado na música importada. Em 1987, um dos irmãos da dupla tentara impressionar a uma namorada paranaense que julgava meio punk, então cortou o cabelo daquele jeito”. Este corte de cabelo, conhecido como “mullet” era usado na época por roqueiros como Rod Stewart, Paul McCartney e o craque italiano Roberto Baggio. Uns anos antes, duplas como Milionário & Zé Rico e Léo Roberto & Canhotinho copiavam caubóis de faroeste italiano.

Sem afirmar na sua tese, o autor de Cowboy no Asfalto leva a constatar que a música sertaneja foi uma continuidade da Jovem Guarda. A partir de 1969, o iê-iê-iê sumiu das grandes cidades e capitais, para continuar sendo feito por jovens interioranos como Fernando Mendes, José Augusto e Odair José.  Se surgissem uma décadas antes, os três seriam enquadrados como sertanejos. E mais de uma vez Gustavo Alonso enfatiza isso. Transcreve, por exemplo, trechos de uma entrevista de Leandro (da dupla com Leonardo) à revista Playboy, em 1992, em que o cantor revela que desde a roça também escutavam rock e mais adiante é enfático: “Digo mais, a música sertaneja só conseguiu alcançar o espaço que tem hoje porque melhorou. Se ficasse aquela música de viola toda vida, não tinha jeito”. Luciano, da dupla com o irmão Zezé di Camargo, complementa: “Não tenho vergonha de dizer que adoro rock brasileiro, sou um eterno roqueiro”.

(leia matéria na íntegra na edição impressa de hoje do Jornal do Commercio)

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