Astro incontestável dos filmes de ação desde a década de 1980, Sylvester Stallone poucas vezes teve seu talento dramático posto à prova, com a exceção honrosa de seu personagem mais conhecido, o lutador de boxe Rocky Balboa, que ele encarna pela sétima vez em Creed – Nascido para Lutar. Com estreia nacional marcada para amanhã, o filme, curiosamente, não tem Rocky como protagonista. Pela primeira vez, ele é um personagem coadjuvante, que serve de apoio na história de superação do jovem pugilista negro Donnie Johnson (Michael B. Jordan). Ele se apresenta como filho de Apollo Creed, o lendário boxeador que, de oponente, tornou-se um grande amigo de Rocky.
Detentor de uma cesta de prêmios Framboesa de Ouro – até o de Pior Ator do Século –, Stallone finalmente é reconhecido por meio de um Rocky Balboa idoso e de saúde debilitada. Depois de ganhar vários prêmios de associações de críticos americanos, ele teve sua carreira coroada com o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante, em cerimônia realizada no último domingo. O caminho para o seu primeiro Oscar finalmente está pavimentado, 40 anos depois de suas duas únicas indicações - como Melhor Ator e Melhor Roteirista – por Rocky – Um Lutador, de John Avildsen, que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 1977.
Apesar de sua presença, Creed – Nascido para Lutar não tem a presença criativa de Sylvester Stallone. Embora seja produtor e ator, ele sequer escreveu o roteiro do filme, o que fizera nos seis longas anteriores. O grande responsável pela nova roupagem dos personagens e do legado de Stallone é o jovem cineasta negro Ryan Coogler, diretor, autor do argumento e do roteiro do filme, escrito em parceria com Aaron Covington. Revelado em Sundance e na Mostra Um Certain, do Festival de Cannes, em 2013, quando Fruitvale Station – A Última Parada, seu longa de estreia ganhou um prêmio especial, Coogler traz um frescor natural a um universo por demais conhecido.
Mais uma vez com a parceira de Michael B. Jordan – um ator já bastante experiente, apesar de jovem – Coogler conta a história de Donnie com a segurança de um cineasta veterano. De certa maneira, ele se apropria dos clichês melodramáticos arquitetados por Stallone ao sabor dos anos e os processa sem muita necessidade de desconstrução. A narrativa de Creed – Nascido para Lutar não se diferencia em quase nada de outros filmes com personagens que têm uma jornada de superação, com os altos e baixos naturais de quem luta para vencer os obstáculos que aparecem à sua frente.
É por isso que Rocky – além do fato de Donnie ser filho de Apollo – aceita treinar Donnie. Afinal, ele também era João Ninguém quando teve a chance de lutar contra o pai do rapaz. É nas mesmas ruas da Filadélfia, tratadas com a devida referência por Coogler, que grande parte do filme se desenrola, entre treinos, a primeira luta profissional de Donnie e a paquera dele com Bianca (Tessa Thompson), uma jovem cantora que está perdendo a audição. Por fim, o grande desafio surge quando Donnie é convocado para lutar contra o atual campeão mundial dos pesos-médios, o inglês “Pretty” Ricky Conlon (Anthony Belew), numa disputa em Liverpool. No meio do treinamento, um fato envolvendo Rocky vai envolver mestre e discípulo numa disputa ainda mais importante, embora fora do ringue.
Se Coogler dá um tratamento adequado aos dramas dos seus personagens, nas cenas de lutas ele supera com ajuda da diretora de fotografia Maryse Alberti, que já mostrara um formidável talento em O lutador, de Darren Aronofsky. O plano-sequência que abre a primeira luta de Donnie, ainda na Filadélfia, é daqueles de tirar o fôlego. Esse embate é apenas o esquente para a luta contra Conlon, que se desenvolve por um tempo bastante longo, até mostrar os dois lutadores em frangalhos. Como são pesos-médios, os dois lutadores lutam como galos de briga, sem a estudada letargia dos pesos-pesados.
Desenvolvido com senso de observação, Creed – Nascido para Lutar é um filme que não desaponta o espectador, principalmente os que gostam de uma boa luta de boxe, o esporte número do cinema. Além disso, trata-se de uma despedida de Rocky Balboa, um grande personagem ícone do cinema americano que, mesmo existindo apenas na imaginação dos espectadores, já ganhou até uma estátua na Filadélfia.