Considerada o principal mecanismo de incentivo à Cultura no Brasil, a Lei Rouanet, criada em 1991, é motivo de debates constantes sobre sua aplicação. A política de isenção fiscal visando a aplicação de recursos na área cultural é responsável pela viabilização de centenas de projetos. Porém, receber o aval de captação é apenas o primeiro passo de uma árdua jornada para produtores e artistas, que ainda encontram diversos entraves para conseguir o dinheiro, principalmente nas regiões fora do eixo Sul-Sudeste.
Como a Rouanet funciona por meio da isenção fiscal – o governo, através do Ministério da Cultura, abre mão de parte dos impostos (4% no caso de empresas e 6% de pessoa física, no I.R.) – convencer o contribuinte a aderir – e efetivamente liberar os recursos – é um dos grandes desafios. Sensibilizá-los, porém, não é uma tarefa tão simples como muitos supõem, principalmente devido aos ataques (muitas vezes gratuitos) que o mecanismo tem recebido nos últimos anos.
Segundo alguns produtores, um dos grandes problemas é a concentração dos investimentos no Sul e Sudeste do País. Para se ter uma ideia, de acordo com dados do MinC, ano passado foram investidos cerca de R$ 3,9 bilhões em projetos, dos quais R$ 2,9 bilhões foram para 2.815 projetos do Sudeste e R$ 519 milhões para 1.104 ações no Sul . No Nordeste, 376 projetos foram contemplados com um total de R$ 298 milhões . Para o Centro-Oeste, foram destinados R$ 130 milhões, para 160 iniciativas , enquanto o Norte aprovou 56 propostas, em um total de R$ 32 milhões .
“Infelizmente, existe uma concentração do mecenato no Sul e Sudeste , onde está localizada a maioria das grandes empresas”, afirma Maria do Céu, chefe da representação do MinC no Nordeste. “O Nordeste é um grande produtor de cultura e, ainda assim, vemos poucos benefícios da Rouanet na região. É uma lástima”.
Para Maria do Céu, a desinformação de parte do empresariado em relação à Lei tem sido um dos principais entraves. Por isso, ela tem promovido encontros com líderes locais a fim de sensibilizar o setor privado.
“Não acredito que há resistência por parte dos empresários e, sim, preconceito. É preciso procurar se informar sobre o que é a
Lei, seus benefícios e aplicações. Outra questão é que pessoas físicas também podem contribuir. Se a gente desmistifica os preconceitos em relação à Rouanet, acredito que os investimentos acontecerão. Temos que nos aproximar dos setores financeiros e de marketing das empresas para criar essas pontes”, reforça a gestora.
Para os artistas e produtores, o problema é sentido na pele. O ator e diretor Manoel Constantino, por exemplo, teve o projeto do espetáculo O Suplício de Frei Caneca aprovado pela Lei, mas há meses pena para conseguir captar recursos junto às empresas locais. A iniciativa, cujo valor total é de R$ 458 mil, prevê 18 apresentações, em seis cidades, para um público previsto de 4 mil pessoas. A realização do espetáculo engajaria 20 pessoas, de forma direta. Entre os principais entraves está a falta de interesse das grandes empresas de investir em projetos do Nordeste.
“Esse é um problema de muitos anos. O MinC nunca teve uma proposta séria de sensibilizar o empresariado. São poucas as empresas que realmente conhecem a lei e as filiais locais quase nunca têm autonomia para tomar decisões. Acho uma contradição empresas que usufruem de benefícios fiscais, mas que não os distribuem de forma justa entre as regiões”, pontua Constantino.
A produtora Edivane Batista, que utilizou a Lei em A Batalha dos Guararapes, tem opinião semelhante. Ela não acredita em culpabilização das empresas, já que o investimento não é uma obrigação, mas deseja sensibilidade por parte do setor privado.
“Normalmente as empresas só querem investir em projetos de grande visibilidade ou capitaneados por celebridades, mas é preciso refletir. Hoje, enquanto cadeia produtora, temos que entender como nos aproximar mais da iniciativa privada, principalmente através dos setores de marketing. Inclusive, acho que deveria ser um trabalho feito nas universidades de marketing, contabilidade e publicidade, para formar profissionais sensíveis à causa artística e que podem atuar junto às empresas, reflete.
Apesar de não ser uma questão que deva se resolver a curto prazo, algumas ações têm sido tomadas no intuito de amenizar a discrepância, através da nova Instrução Normativa. Entre as ações, projetos integralmente realizados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm um teto maior, de R$ 15 milhões por projeto (para as outras regiões são R$ 10 mi).