A cultura tem sido uma das áreas mais afetadas pela crise financeira, política e moral que aflige o Brasil. Desmonte das políticas públicas, corte de verbas e esvaziamento de ações foram direções tomadas por gestores ao redor do País. No Recife, a Secretaria de Cultura viu seus recursos minguarem desde o ano passado. Com o Teatro do Parque fechado há sete anos; o Pátio de São Pedro abandonado e iniciativas sem a força de outrora, como o Festival Recife do Teatro Nacional e o Spa das Artes, que foi cancelado; o abandono do Sistema de Incentivo à Cultura e o eterno adiamento da reestruturação da pasta da Cultura, para que, enfim, se realize o seu primeiro concurso público, a classe artística questiona um possível escanteio da pauta na gestão do prefeito Geraldo Julio. O Jornal do Commercio conversou com a secretária Leda Alves, o secretário-executivo da pasta, Eduardo Vasconcelos, e o presidente da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Diego Rocha.
Em entrevista ao JC, em 2016, Leda afirmou que a crise financeira e política atingiria em cheio a cultura. Um ano depois, ela afirma que o quadro não sofreu muita alteração. “Começamos 2017 com a experiência de como é tão difícil para um gestor público viver e exercer suas tarefas com pouco dinheiro. Essa foi uma experiência que eu nunca tinha vivido. E é muito difícil”, pontuou. “Comparo ao trabalho de limpar galeria [DE ESGOTO]. As galerias de uma cidade depõem ou aprovam um prefeito porque é um resultado que beneficia a cidade a longo prazo, mas que você não vê enquanto está sendo feito. Só quando vem uma chuva você vê o resultado. O trabalho da gente na cultura é também subterrâneo”.
Segundo o presidente da Fundação de Cultura, Diego Rocha, o arrocho financeiro exigiu novas medidas e uma delas foi a reformulação do organograma da Secult e da FCCR. Com isso, atribuições que antes pertenciam à pasta de Leda agora ficam sob o comando de Rocha, delegando à Secretaria de Cultura um papel mais ligado ao pensamento das políticas públicas e de ações.
“Em linhas gerais, foi uma reorganização. Várias atividades que estavam na fundação deveriam estar na Secult e vice-versa, ao mesmo tempo em que havia coisas acontecendo nos dois órgãos, gerando redundância. Agora, as linguagens culturais ficam na Secretaria e a parte da manutenção, contratação e gestão dos equipamentos culturais ficam na Fundação. Isso dá tempo da Secult estar na rua, escutando o que está acontecendo e fortalecer a interlocução”, explicou Rocha.
Outra mudança é que, agora, os equipamentos culturais, incluindo a Orquestra e Banda Sinfônica do Recife são de responsabilidade da Fundação de Cultura.
Nomeado em setembro, o secretário-executivo de Cultura, Eduardo Vasconcelos, acredita que, diante da crise, a PCR precisou se reinventar. Nesse sentido, alguns objetivos mudaram e “Planos que eram de dez anos atrás, hoje em dia não funcionam mais”. O JC questionou, então, se essa era a razão para a gestão de Geraldo Julio não cumprir várias metas do Plano Municipal de Cultura – sancionado na Lei nº 17.576/2009, durante a gestão de João da Costa – e cujas diretrizes deveriam estar consolidadas até 2019.
Amplamente discutido com a classe e a sociedade civil, o Plano estabelece como metas, entre outras, o Sistema Municipal de Cultura 100% implantado, institucionalizado e integrado ao Sistema Nacional de Cultura; garantia de ao menos 3% do orçamento anual municipal para a área; capacitação de 4.900 pessoas em linguagens artísticas e técnicas e Portal Cultural do Recife 100% implementado.
“O plano tem até 2019 para ser executado. Muita coisa a gente conseguiu executar e outras não eram possíveis por questões de recursos. O momento que a gente está atravessando é de atualização [DO PLANO]. Temos que retomar as discussões. Muitas coisas têm no mínimo 8 anos e também não foram executáveis. A gente tenta, mas que a gente precisa ver se tem condições, não só porque questões financeiras, mas também condições legais, de espaços”, explicou.
“De fato, o orçamento previsto, está abaixo de 3%, mas o realizado, chega a 3%, 3,5%. Tudo que a gente gastou no ano, Secretaria e Fundação, comparado com tudo que a Prefeitura gastou, dá 3%. Além disso, não temos o número apurado, mas com certeza os números foram superados (4900) porque temos seminários, nos festivais que têm formação, entre outras ações”, disse.
Questionado sobre a razão de o Sistema Nacional de Cultura não ter sido implantado e nem o Sistema de Incentivo à Cultura retomado, ele afirma que a estrutura para executá-los está pronta, mas que ainda deve passar por readequações. Quando confrontado sobre o motivo da demora na execução dessa ações, ele disse que o primeiro mandato de Geraldo Julio foi um “momento de arrumação”.
“Até a Controladoria se envolveu nisso [na questão do Sistema Nacional de Cultura], perguntando por que a gente não tinha feito ainda. Temos que fazer uma adesão. Já temos um fundo, que é onde a gente recebe os repasses, criado por lei e fisicamente já existe, com uma conta, inclusive com uma unidade gestora dentro da Prefeitura. Precisamos nos organizar para que tenhamos a chance de receber outros recursos e toda a expertise que vem do SNC. Queremos fazer isso em 2018”, afirmou.
Considerado um símbolo do descaso da gestão Geraldo Julio com a cultura, o Teatro do Parque continua de portas fechadas e sem obras. Em agosto, quando artistas organizaram uma virada cultural para pressionar o poder público, a Prefeitura anunciou o lançamento de edital e liberação de verbas para retomada da obra, mas pouco tempo depois suspendeu. Isso porque o MinC se responsabilizou por aportar R$ 3 milhões (a contrapartida da prefeitura será de R$ 2,6 mi) e, para conseguir o dinheiro, a PCR teve que fazer alguns ajustes para atender a exigências da Caixa Econômica Federal.
“O dinheiro está na conta da Prefeitura na Caixa Econômica do Recife, mas não pode ser liberado porque falta alguém apertar o botão e liberar o dinheiro. A gente já cumpriu com tudo que foi pedido, só falta alguém lá ‘apertar o botão’. Estando liberado, a gente lança um novo edital”, disse Diego.
Essa verba, no entanto, terá o único objetivo de cuidar da parte estrutural, entregando o equipamento reformado com as características originais de 1929, quando virou um cine-teatro. Posteriormente, será necessário lançar outro edital para a compra de equipamentos. Ou seja: deve demorar cerca de dois anos (sendo otimista) para o Parque ser entregue à população.
Tombado pelo Iphan, o Pátio de São Pedro abriga equipamentos culturais geridos pela Prefeitura, como os memoriais Chico Science e Luiz Gonzaga, o Núcleo Afro do Recife, a Casa do Carnaval, entre outros. Esses espaços, no entanto, estão sucateados e a área, “decadente”, como classifica Leda Alves.
“O que é decadente hoje em dia, o é por questões financeiras. Fui nomeado no dia 1º de setembro e uma das minhas primeiras ações foi ir lá com Diego. Passamos por dificuldades e precisamos cortar coisas, mas não deixamos de funcionar. Estive lá com o comandante da Guarda Municipal depois de uma reunião que eu tive com o Secretário de Segurança urbana pensando ações para garantir a segurança. O Pátio precisa de uma vida sustentável para que a gente ocupe aquele espaço, em articulação com as outras secretarias para solucionar os problemas, como segurança, iluminação. Queremos também retomar as Terças Negras”, afirmou Eduardo Vasconcelos.
Indagados sobre ações necessárias para o fomento da cultura na cidade – algumas delas inclusive extintas na gestão de Geraldo Julio – os gestores disseram ter boas expectativas para 2018 (apesar de que, provavelmente, a verba não irá aumentar).
A Rádio Frei Caneca, por exemplo, que lançou o primeiro edital de forma voluntário – a PCR não oferecerá contrapartidas financeiras ou de equipamentos – pode ganhar fôlego nas próximas edições.
“Nossa ideia é lançar outros editais, até porque a gente vai precisar que ele seja permanente. É muito importante que se tenha editais nos quais possamos repassar recursos e que a gente possa também usar utilizar recursos como a renúncia fiscal. Não podíamos fazer isso agora porque não temos permissão da Anatel. Uma pretensão nossa é disponibilizar o espaço do Paço do Frevo, do estúdio, para quem vencer o edital e também que a rádio tenha um estúdio próprio”, pontuou Diego.
Por e-mail, a Fundação respondeu sobre a retomada do concurso de música carnavalesca, suspenso em 2014. A PCR afirma que ele voltará em 2018 com um outro formato. Outra promessa é a volta dos prêmios literários durante o Festival Recifense de Literatura A Letra e a Voz. A agenda cultural da cidade, que deixou de ser impressa, não tem destino garantido. Sobre o assunto, a Fundação disse que ela “está sendo repensada e será definido um novo formato com a adoção de novos recursos tecnológicos para atingir um público maior. Não foi descartada a volta da agenda cultural impressa”.
Outro ponto muito indagado pela classe artística e sociedade civil é a tão aguardada realização do concurso para quadros da Fundação de Cultura. “Esperamos realizar concurso em breve para preencher vagas para a Rádio Frei Caneca, a Orquestra e a Banda Sinfônica”, dizia a nota.