'Brennand e eu'; leia carta escrita por Ariano Suassuna sobre amizade com Francisco Brennand

O escritor paraibano e o artista plástico pernambucano se conheceram muito jovens e estudaram juntos
JC Online
Publicado em 19/12/2019 às 13:35
O escritor paraibano e o artista plástico pernambucano se conheceram muito jovens e estudaram juntos Foto: Foto: Arquivo/JC Imagem


"Gênio". Foi assim que Ariano Suassuna definiu Francisco Brennand em uma carta que escreveu e dedicou ao artista plástico em 1997. No texto, Suassuna afirma que começou a amizade com Brennand em 1945, quando ambos se preparavam para divulgar suas artes. O artista plástico Francisco Brennand morreu na manhã desta quarta-feira (19), em decorrência de complicações cardiorrespiratórias.

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Leia abaixo texto na íntegra que Ariano Suassuna dedicou à relação com o amigo Francisco Brennand, em 1997, publicado no JC

"É preciso cerrar os dentes e compartilhar a sorte do nosso país", escreveu, um dia, o grande poeta que foi Bóris Pasternak. Era um tempo em que sua pátria, a Rússia, vivia a opressão violenta, aberta e declarada do Stalinismo. Hoje, o Stalinismo acabou, Pasternak morreu, mas sua obra está viva e cresce todo dia, revelando-se cada vez mais como profética. Entretanto, a impostura, a opressão hipócrita do Capitalismo, a ditadura do consumo, da vulgaridade e do gosto médio imposto como modelo através dos meios de comunicação de massa, essa ditadura branca está fazendo algo talvez pior do que oprimir a pátria de Gógol e Dostoiévski, primeiro traída por Gorbachev e depois aviltada por Bóris Yeltsin.

Lembro-me de algumas palavras de Michelet, que li na adolescência e que copiei fazendo interiormente a promessa de nunca me esquecer deles: "A pessoa humana é coisa sagrada. Na medida em que uma Nação assume o caráter de pessoa e se torna uma alma, sua inviolabilidade aumenta na mesma proporção. O crime de violar a personalidade nacional torna-se, então, o maior dos crimes. Assassinar um homem é um crime. Que coisa terrível não será, portanto, assassinar uma Nação? Como qualificar tal monstruosidade?

Pois bem, existe uma coisa pior do que matá-la: é aviltá-la, envilecê-la, abandoná-la ao desprezo e aos insultos dos estrangeiros, violá-la e roubar-lhe a alma e a honra. Este crime é o único para o qual não deveria existir prescrição.

Tornei-me amigo do artista de gênio que é Francisco Brennand no ano de 1945, quando ele se preparava para expor seus quadros e eu para publicar meus poemas. Logo nos primeiro dias de uma amizade que dura desde aquele ano, ele fez uma ilustração para meu poema Noturno, publicado alguns meses depois, em outubro.

Desde esse tempo, não digo que tivéssemos consciência daquilo que vai aqui afirmado. Mas, na noite criadora da vida pré-consciente do intelecto (noite talvez mais clarividente do que a luz da razão reflexiva), nós dois procurávamos escrever ou pintar como se a sorte do nosso país dependesse do que fizéssemos.

Não sendo políticos, era e é o mais que podemos fazer: indicar com o que fazemos ou tentamos no campo da Arte, o caminho para uma Teoria do Poder que, expressando o que nosso povo tem de melhor, esboce o contorno do mapa capaz de definir nosso país como Nação.

Infelizmente, o apelo contido nos meus balbucios e na obra de Brennand não está sendo ouvido, assim como o de Pasternak também não foi ouvido na Rússia. Estão aviltando nosso povo, violando e roubando a alma e a honra do nosso país.

Não importa. Fiéis ao sonho da nossa juventude, dentro das minhas medidas venho fazendo o que posso; e ele ergueu em sua oficina um monumento imperecível, no qual as gerações que vão nos suceder poderão pelo menos enxergar a face do Brasil verdadeiro e profundo, o Brasil "que poderia ter sido e que não foi".

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